Título: O Código da discórdia
Autor: Alencastro, Catarina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 12/05/2011, O País, p. 3

Texto do relator Aldo Rebelo divide a base do governo, desagrada a todos, e votação é adiada

Catarina Alencastro, Isabel Braga e Fábio Fabrini

Sem ter como garantir votos para barrar a tentativa da bancada ruralista de alterar o texto negociado durante todo o dia, o governo foi obrigado a adiar, ontem à noite, a votação do projeto que altera o Código Florestal. Numa sessão tumultuada, em que houve até troca de acusações entre o relator do projeto, deputado Aldo Rebelo (PC-doB-SP), e ambientalistas, o Executivo obteve a adesão de deputados da base para obstruir a votação, e a sessão teve que ser encerrada no início da madrugada de hoje.

Passavam de 23h, quando o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), anunciou que concordava com um requerimento do PSOL de adiamento da votação para a próxima semana. Temia que fosse aprovada uma emenda dos ruralistas que tenta retirar do projeto o poder do governo federal de editar um decreto para regular as atividades que poderão ser mantidas em Áreas de Proteção Permanente.

O PT também alegou que o texto apresentado em plenário era diferente do negociado durante todo o dia.

¿ Não vamos votar no escuro, sem ter a certeza de que o Brasil vai ganhar ¿ disse Vaccarezza na tribuna, para desgosto de grande parte dos deputados e da plateia repleta de produtores rurais, que vaiaram o líder.

¿ Líder Vaccarezza, vou mudar também minha indicação de votação, mas aviso: o PMDB não vai votar nada mais nesta Casa enquanto o Código não for votado ¿ disse o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), aderindo ao apelo pelo adiamento.

O líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto (BA), protestou: ¿ Estamos diante de um grande descumprimento de acordo e passo a ter o direito de não acreditar mais na palavra dele (Vaccarezza).

Alterações teriam ocorrido sem acordo

Segundo o PT, uma das alterações feitas sem acordo teria ocorrido no artigo 14 do projeto, no qual a palavra recomposição da reserva legal foi trocada por regularização.

¿ A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) afirma que isso causa risco de desmatamento ¿ disse o petista Henrique Fontana.

Irritado com a acusação, Aldo alegou que o texto foi escrito na presença de todos os líderes: ¿ A informação do líder do PT (Paulo Teixeira) de que alterei o texto levou a ex-senadora Marina a pôr no Twitter que eu fraudei o relatório. Quem fraudou contrabando de madeira foi o marido de Marina Silva. Como líder do governo, eu evitei o depoimento do marido dela.

A acusação foi recebida pelos ruralistas com gritos: ¿ Aldo, Aldo, Aldo!

O deputado Sibá Machado (PT-AC) e o PV protestaram. Antes mesmo da polêmica, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva já criticava a versão final do projeto que altera o Código Florestal.

¿ Tínhamos um texto péssimo e agora temos um texto muito ruim.

No Twitter, ela escreveu: ¿Estou no plenário da Câmara. Aldo Rebelo apresentou um novo texto, com novas pegadinhas, minutos antes da votação. Como pode ser votado?¿

Durante o dia, sem conseguir votos para impor restrições às propostas de mudança, o governo jogou a toalha e não conseguiu sequer fechar um acordo para votação do texto de Aldo Rebelo, que não agradou nem a ruralistas nem a ambientalistas.

Depois de acenar com algumas concessões, o Executivo desistiu de só liberar os agricultores familiares do reflorestamento das áreas de reserva legal desmatadas ilegalmente.

Prevaleceu a proposta do relator, que libera todos os donos de propriedades com até quatro módulos fiscais (de 20 a 400 hectares, dependendo da região do país) da obrigatoriedade de recompor a reserva legal.

¿ Se formos olhar os radicais da agricultura e os radicais do meio ambiente, não vamos aprovar nada.

Na Câmara, há um consenso de proteger os pequenos proprietários e dar um tratamento diferenciado a quem tem até quatro módulos fiscais. Mesmo que o governo não concorde com essa opinião, a Câmara deverá aprovar ¿ justificou o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), antes do adiamento.

Outro ponto do acordo que vigorava até o final da noite era a legalização de quem tiver áreas de cultivo consolidadas em Áreas de Preservação Permanente (APPs) em encostas e topos de morros. Já as áreas consolidadas às margens dos rios só seriam autorizadas caso a caso, através de um decreto presidencial a ser editado posteriormente. Este foi o item que mais irritou os ruralistas. Para o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), a iniciativa é um golpe no poder legislador dos parlamentares: ¿ O governo quer baixar a convalidação de área consolidada por decreto. É um total desrespeito com o Legislativo. É um absurdo o governo a toda hora querer que sua versão seja aceita por todos nós sem a apresentação de emendas ou destaques. O governo está tentando confundir a base e dividir.

¿ Deixar nas mãos do governo coisas de séculos é imoral. É entregar um cheque em branco ao governo ¿ emendou Abelardo Lupion (DEM-PR), também da bancada ruralista.

O novo texto só foi apresentado no início da noite de ontem (quarta-feira). Os ruralistas contabilizavam pelo menos 300 votos, mesmo que o PT ficasse contra. Os ambientalistas também criticavam duramente o texto que seria objeto do acordo: ¿ Só saiu o abominável.

Mas em síntese o texto é quase o mesmo que Aldo apresentou na semana passada.

O texto acaba com a figura do Conama. Estão enterrando o Código Florestal. Se o governo concorda com o governo, é uma posição dúbia porque quando o relatório foi apresentado a Casa Civil saiu para dizer que não gostava do texto. A bancada ruralista convenceu o governo. O acordo é um texto ruralista ¿ disse Márcio Astrini, coordenador do Greenpeace.

¿ O bode é menos fedido que o primeiro e o segundo, mas ainda fede muito. Tem muita coisa complicada.

Mantém pastoreio em alto de morro e mantém o crédito para quem desmatou ilegalmente, bastando entrar no cadastro rural. A aplicabilidade disso vai se tornar calêndulas gregas ¿ disse Alfredo Sirkis (PV-RJ).