Título: FMI não pode sofrer retrocesso
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Fonte: O Globo, 20/05/2011, Opinião, p. 6
Ao ser denunciado na Justiça americana por crime de abuso sexual, Dominique Strauss-Kahn não teria mesmo condições morais para continuar à frente de uma instituição como o Fundo Monetário Internacional (FMI). DSK, como é conhecido na França, parecia ter um grande futuro político em seu país, já aparecendo nas pesquisa pré-eleitorais como forte candidato em potencial do Partido Socialista para ocupar o Palácio Eliseu, sucedendo ao atual mandatário Nicolas Sarkozy. Mas envolveu-se ou foi envolvido (a Justiça americana é que decidirá, de acordo com as provas) em um episódio escandaloso, que, embora pessoal, compromete também sua imagem pública. É inconcebível um diretor-gerente do FMI com o peso de tamanha acusação sobre si.
Mas, se for possível separar seu comportamento pessoal das iniciativas que tomou como principal autoridade do Fundo, será preciso reconhecer que DSK levou o FMI a agir de maneira mais equilibrada nos últimos anos, especialmente após a crise financeira internacional de 2008.
O Fundo, antes, parecia ter as antenas voltadas apenas para economias pobres e emergentes, mas no sentido de evitar que desequilíbrios de contas externas viessem a contaminar as finanças globais e os principais mercados.
A crise de 2008 eclodiu fora desse eixo, exatamente nos sistemas financeiros dos países ricos, e mais por imprudência e falta de regulação do que propriamente por ajustes inevitáveis do ciclo econômico.
O FMI se alinhou aos críticos do excesso de alavancagem nas operações financeiras dos mercados desenvolvidos e contribuiu para uma ação articulada dos bancos centrais e autoridades fazendárias que evitou o pior.
Com livre trânsito entre os dirigentes da União Europeia, DSK teve papel importante na construção dos "pacotes" de ajuda emergencial a países da UE que estavam à beira do caos e punham em risco o euro.
Espera-se que seu sucessor não desvie o Fundo deste rumo. Ao contrário, o FMI deveria refletir mais a mudança do quadro econômico mundial, no qual países emergentes passaram a ter mais peso e influência sobre a trajetória dos diferentes mercados.
Seria ilusão acreditar que a escolha do sucessor de DSK não seguirá antigas regras não escritas do Fundo. Estados Unidos e as principais economias europeias detêm a maior parte das quotas do FMI desde sua origem (e criam obstáculos para que os demais países-membros ampliem sua participação relativa). Como tal continuam dispostos a tutelar o Fundo.
No entanto, ainda que a escolha venha a recair em um representante da Europa (quase sempre da França), floresceu no Fundo um debate sobre princípios de governança, e isso já representa um considerável avanço que acabará se refletindo no futuro da instituição.
A atual diretoria já vinha trabalhando dentro desses novos princípios, e a expectativa é que o deplorável episódio envolvendo DSK não seja usado para que haja um retrocesso.