Título: Turbulência política já prejudica economia
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Fonte: O Globo, 24/05/2011, O Mundo, p. 22

Sírios trocam moeda local por dólares; crise afeta turismo e aumenta o desemprego

Hotéis sem turistas, lojas sem clientes e fábricas paradas: esse é o cenário da economia hoje em Damasco, capital da Síria, segundo reportagem do jornal ¿The Guardian¿ realizada no país, que restringiu o acesso da imprensa estrangeira.

¿ Estamos praticamente vazios. Normalmente estaríamos lotados, mas os turistas pararam de chegar ¿ afirma um funcionário de um hotel de luxo da capital.

O levante popular contra o governo do presidente Bashar al-Assad já deixa marcas nos pequenos e grandes negócios do país. Motivado por fatores políticos, como as reivindicações por democracia, o movimento já trazia componentes econômicos, como as altas taxas de desemprego no país, sobretudo entre os jovens, e a desigualdade social. Segundo o Institute of International Finance, antes da crise quase um quarto dos jovens não tinha emprego. Com a escalada de violência e um total de mais de 900 mortes até agora, os negócios começam a sofrer maior impacto, levando comerciantes a demitirem ainda mais funcionários.

A crise afetou fortemente o turismo, que era uma aposta do governo para dinamizar a economia. Um plano divulgado em 2010 previa um aumento dos atuais 9 milhões de visitantes estrangeiros por ano para 14 milhões até 2015. Antes do conflito, a meta já era considerada ambiciosa para o país, que atrai principalmente viajantes do Oriente Médio, mas agora beira o impossível. Não há números oficiais, mas agentes de viagem afirmam que os cancelamentos são constantes. Países que enfrentaram protestos populares contra regimes autoritários na região também tiveram resultados negativos: na Tunísia, houve queda de 41% no total de turistas no primeiro bimestre; no Egito, o declínio foi de 36% e o tempo de permanência no país recuou 16%, segundo o FMI.

FMI reduz drasticamente previsão de crescimento econômico

A projeção do Fundo para o crescimento da economia da Síria também despencou em 2011: há seis meses, era de 5,5%, mas agora foi revisada para apenas 3%. E tal estimativa, para alguns, ainda é demasiado otimista.

¿ A Síria está caminhando rumo a uma guerra civil e crescerá, no máximo, 1,5% este ano. O FMI ainda não vislumbrou o impacto total do que o país está enfrentando ¿ afirma Mohsin Khan, especialista do Peterson Institute for International Economics.

Instabilidade política costuma ser sinônimo de fuga de investimento estrangeiro, e os primeiros sinais da migração do capital para outros países já começaram a aparecer. A Qatar Electricity and Water cancelou um projeto de US$900 milhões para construção de usinas. Há relatos de saída de empresas britânicas. As sanções contra parentes do presidente também devem ter impacto. Rami Makhlouf, primo de Assad, detém participações em telecomunicações, transportes, bancos, turismo, mercado imobiliário e construção. Investidores estrangeiros costumam fechar parcerias com ele para ingressar no país, o que lhe rendeu o apelido de ¿Senhor 10%¿.

A repressão do governo e as incertezas quanto ao futuro político do país levaram a uma corrida aos bancos para sacar as economias e trocar a libra síria por dólares. Segundo o site de notícias econômicas Syria Report, em dois meses os correntistas sacaram o equivalente a US$680 milhões dos bancos privados.

¿ É um fator de preocupação. O Banco Central da Síria tem US$17 bilhões em reservas, mas quando algo assim começa é difícil saber como vai acabar. ¿ diz Khan. ¿ E os bancos deverão ser o próximo alvo de sanções internacionais.

O economista ressalta que a cultura de forte controle de capitais por parte do governo fez com que os sírios encontrassem brechas para driblar a lei. A forma mais comum é a troca da moeda local por dólares, que são depositados em bancos no Líbano. Segundo o presidente do conselho da União de Bancos Árabes, Adnan Yousif, até o começo do mês 8% da moeda local haviam sido convertidos em dólares, mas ele destacou que o sistema bancário no país está fortalecido, com apoio do governo.

A turbulência política interrompe um processo de mudança da orientação do país de uma política estatizante para uma economia de mercado. Artigo de Lahcen Achy, especialista do Carnegie Middle East Center em Beirute, destaca que no ano passado o país tinha 14 bancos privados. Em 2004, eram apenas três. Ainda assim, ele afirma que a concessão de crédito depende mais de relacionamentos do que da qualidade dos projetos. O último relatório sobre Ambiente de Negócios do Banco Mundial classifica a Síria na colocação 181 no ranking de acesso a crédito em 183 países.

O governo tem acenado com aumento de salários e contratações no setor público, que já emprega cerca de 30% da mão de obra no país. A política é considerada insustentável no longo prazo.