Título: Realismo na questão do Oriente Médio
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Fonte: O Globo, 24/05/2011, Opinião, p. 6

Diante dos movimentos pró-democracia no Norte da África e no Oriente Médio, a chamada primavera árabe, o presidente Barack Obama decidiu que é hora de avançar também na busca da paz entre israelenses e palestinos. Ao falar diante do Comitê de Assuntos Públicos Estados Unidos-Israel (o lobby israelense nos EUA), ele insistiu na necessidade de um esforço mais firme de parte a parte, afirmando: ¿Não podemos esperar mais uma, duas ou três décadas para alcançar a paz.¿

Mas Obama tem os olhos postos em setembro, quando o presidente Mahmoud Abbas pretende declarar unilateralmente o Estado palestino na Assembleia Geral da ONU. É um gesto político, aparentemente de pouco efeito prático, mas que poderá complicar ainda mais a questão, aumentando seu teor emocional e explosivo. Obama tenta salvar a velha e legítima ¿ mas até agora ineficaz ¿ fórmula da criação de um Estado palestino via negociações. Talvez para demonstrar a urgência de avançar no estagnado processo de paz, o presidente americano explicitou que um acordo deveria se basear nas fronteiras de 1967, com os ajustes necessários (Israel cederia terras para compensar pelas colônias que manteria em território palestino).

A menção às fronteiras de 1967, sempre defendidas pelos palestinos, enfureceu o premier israelense Benjamin Netanyahu, que está em Washington e rejeitou enfaticamente a tese durante uma declaração conjunta com Obama na Casa Branca, causando mal-estar diplomático. Aquelas fronteiras há muito são a base para negociações, sempre citadas a portas fechadas, mas os presidentes americanos anteriores evitaram mencioná-las em público. Ao fazê-lo, Obama destacou a necessidade de dar maior realismo ao processo. A reação de Netanyahu mostra que, como líder de um governo pouco propenso a concessões, ele age como se não compreendesse a urgência do momento. Nesse contexto, faz sentido a advertência do presidente americano de que ¿a marcha para isolar Israel internacionalmente e o impulso palestino para abandonar as negociações vão continuar a ganhar força na ausência de um processo de paz confiável¿.

Referia-se à decisão do presidente Mahmoud Abbas de buscar a declaração unilateral de um Estado palestino na ONU. Para isto, Abbas previamente firmou um acordo com os radicais do Hamas, que dominam a Faixa de Gaza, pondo fim a quatro anos de divisão entre os próprios palestinos, e voltando as costas tanto a Israel quanto aos EUA. A ausência de concessões israelenses e um endurecimento palestino baseado no acordo Fatah-Hamas poderão levar a região a uma nova escalada de violência, visto que o Hamas não modificou sua premissa básica ¿ a destruição de Israel.

Em sua atual viagem à Europa, Obama tentará persuadir os aliados europeus a não apoiar a jogada unilateral de Abbas, a fim de manter viva a possibilidade de um acordo negociado. Para isso, precisará contar, desta vez, não com a habitual linha dura de Netanyahu e sim com mais flexibilidade e cooperação de Israel. Do contrário, Washington correrá o risco de perder o bonde da primavera árabe ao ficar atrelado à postura inamovível do governo de Netanyahu.