Título: Quanto mais cedo, melhor
Autor: Rothenburg, Denise; Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 08/08/2009, Política, p. 4

Congresso

Lula exige de partidários manutenção do apoio a Sarney e busca de formas rápidas de encerrar a crise

Ainda blindado pela cúpula do governo, Sarney chega ao Senado

Quanto mais rápido a crise do Senado se resolver, melhor. De preferência, com o senador José Sarney (PMDB-AP) sentado na cadeira de presidente da Casa. É esse o espírito que domina hoje o governo do presidente Lula, que não enxerga Sarney fora do comando. A preocupação, no momento, é manter o PT ao lado do senador maranhense, uma operação que promete dominar o cenário político na próxima semana. O Planalto considera que o PT não poderá vacilar no apoio, e está preocupado com os reflexos da briga entre Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renan Calheiros (PMDB-AL) no plenário na última quinta-feira. A avaliação é de que essa briga pode terminar por fortalecer aqueles que pedem a saída de Sarney.

Ontem, por exemplo, nem os apelos dos senadores pela volta à calma ¿ com Eduardo Suplicy (PT-SP) cantando em plenário e Paulo Paim (PT-RS) lendo um poema ¿ foram suficientes para conter o grau de indignação de setores da sociedade com o bate-boca entre o líder do PMDB e o tucano cearense.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, divulgou uma nota forte, em que pede a renúncia coletiva do Senado: ¿O Senado está em estado de calamidade institucional. A quebra de decoro parlamentar, protagonizada pelas lideranças dos principais partidos, com acusações recíprocas de espantosa gravidade e em baixo calão, configura quadro intolerável, que constrange e envergonha a nação. A democracia desmoraliza-se e corre risco¿.

Paradoxo

A nota de Cezar Britto chama de ¿intolerável paradoxo¿ o fato de ¿senadores sem voto¿ (os suplentes) integrarem o Conselho de Ética do Senado com a missão de julgar os colegas parlamentares. Mas ressalva que a crise não pode ser confundida com o presidente da Casa e nem o Senado ¿confundido com aqueles que mancham seu nome¿, diz, em defesa da instituição, e termina por concluir: ¿O ideal seria a renúncia dos senadores. Como não temos meios legais de impor esse ideal ¿ único meio de sanear a instituição ¿, resta pleitear que se conceda algum espaço à reforma política, se não para salvar o atual Congresso Nacional, ao menos para garantir o futuro¿.

A nota deu fôlego ao senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que planeja pedir o auditório da OAB emprestado para servir de palco a um movimento em defesa do Senado na próxima quarta-feira. Houve quem sugerisse que o ato tivesse como cenário o gramado em frente ao Congresso Nacional, mas os senadores oposicionistas que tentam a renúncia de José Sarney ficaram temerosos de que o grupo fosse pequeno, daí a escolha de um local fechado, que dê a ideia de multidão, mesmo que não haja tantas pessoas reunidas.

Sem investigações

A intenção de usar a nota da OAB como ponta de lança para a criação de um movimento externo em defesa do Senado, e a intenção de um grupo de políticos de aproveitar esse expediente para separar os senadores em dois grupos ¿ os éticos e os não éticos ¿ deu ao PMDB a certeza de que Renan Calheiros errou o tom ao bater boca com Tasso Jereissati em plenário.

O maior temor é o de que essa atitude leve o PT a querer abrir uma investigação contra Sarney ou que um movimento nas ruas, se vier a ocorrer, venha a constranger os petistas ao ponto de eles não defenderem mais Sarney. O PMDB não quer essa investigação. Foi justamente sobre isso que o presidente petista, Ricardo Berzoini, discutiu ontem no Palácio do Planalto, em reunião com o presidente Lula.

Berzoini tinha dito ao Correio há dois dias que o PT não poderia abrir mão das investigações a respeito de Sarney. Ontem, no entanto, depois do encontro com Lula, o presidente petista afirmou que o foco do partido será a reforma do Senado e que a oposição tem como objetivo apenas punir o presidente Sarney, que vem implementando as reformas.

O PT não tem saída hoje, senão apoiar Sarney, avaliam seus comandantes. E a melhor alternativa é partir para o discurso da reforma da Casa. A ideia é deixar todo o resto no balaio da disputa política e ao desejo dos tucanos de enfraquecer o PMDB, porque o partido estará ao lado de Lula em 2010. Foi com esse espírito, de deixar de cobrar investigações, que o comando petista saiu ontem de Brasília, afinado com o que deseja o Palácio do Planalto. (DR e DL).

Prosa para cão guia ouvir

» A sessão de ontem do Senado Federal teve um tom descontraído. Crise? Bate-boca? Xingamentos? Nada disso. No embalo dos senadores Mão Santa (PMDB-PI), Paulo Paim (PT-RS) e Eduardo Suplicy (PT-SP), poesia, música e prosa inspirada encerraram a semana tensa. Os dois petistas homenagearam os pais pelo seu dia com palavras elegantes. Paim declamou um texto que ele mesmo escreveu sobre ser pai e a relação com os filhos. Inspirado no colega petista, Suplicy emendou uma tradução da música Father and son (pai e filho), do norte-americano Cat Stevens. ¿Que este Dia dos Pais ilumine a todos nós, que prevaleça o bom senso e que esta Casa volte à normalidade¿, disse Paim, no dia seguinte ao bate-boca protagonizado pelo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Depois desse texto, Eduardo Suplicy passou a dialogar com o colega de partido sobre a vida de pai e disse que cantará a música de Stevens ao lado dos dois filhos músicos, Supla e João Suplicy, no domingo. Um dos versos da canção diz o seguinte: ¿É hora de mudança, relaxe, pegue leve¿. O despojamento foi precedido pela intervenção de Mão Santa, que declamou uma frase inspirada numa passagem de Pequeno príncipe: ¿O essencial é invisível aos olhos. Quem vê bem vê com o coração¿. Tudo sob os olhos atentos de um cão guia de um servidor que trabalha no gabinete de Paulo Paim. (TP)