Título: Só com a prisão para aliviar a dor
Autor:
Fonte: O Globo, 26/05/2011, O País, p. 15

Pai de Sandra Gomide se diz satisfeito com prisão de Pimenta Neves, após quase 11 anos de impunidade

SÃO PAULO. Após quase perder a fé na Justiça e de pensar em vingança com as próprias mãos contra o assassino de sua filha Sandra Gomide, o aposentado João Gomide sorriu, ontem, ao saber da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de mandar para o cadeia o jornalista Pimenta Neves, condenado a 15 anos de prisão pelo crime. Ele não ignora, porém, que dificilmente o condenado cumprirá toda a pena atrás da grades ¿ pode conseguir o regime semiaberto, quando completar um sexto da pena. De terça-feira para ontem, pela primeira vez em 11 anos, a noite foi tranquila na casa dos Gomide. Feliz não ficou, porque seria pedir demais.

¿ Sem nossa filha, acabou a nossa felicidade ¿ afirma Gomide, sentado em uma cadeira de rodas na varanda de sua casa.

JOÃO GOMIDE, ao lado da mulher: ¿Feliz não fiquei, porque nossa felicidade acabou com a morte da nossa filha. Mas estou animado¿

Donizeti Costa

O que o senhor sentiu quando soube que o assassino de sua filha finalmente iria para a cadeia?

GOMIDE: Feliz não fiquei, porque nossa felicidade acabou com a morte da nossa filha. Mas estou animado por ver seu assassino atrás das grades. Ele foi muito mau. Por matar uma mulher com um tiro na cabeça e ainda dar um outro, de misericórdia, pelas costas. Acho que tiro só se dá em bandido.

O senhor ainda sofre muito com a perda, mesmo passados tantos anos?

GOMIDE: É como se eu tivesse morrido com ela. Além das doenças que tenho ¿ sou diabético também, tenho quatro pontes de safena e uma mamária ¿, sinto-me morto por dentro. Minha única razão de viver é cuidar da minha mulher. Ela está melhor comigo do que na casa de repouso em que estava internada.

O senhor tinha uma relação cordial com Pimenta Neves antes do crime?

GOMIDE: Não. Mesmo na época do julgamento eu tentava falar com ele, e ele não me atendia.

E durante o namoro com sua filha, como era sua relação com ele?

GOMIDE: Só fiquei sabendo do namoro através de um empregado da chácara. E Sandra só me disse que tinha namorado Pimenta quando terminaram. Conheci o Pimenta uma vez, quando ele chegou lá em nossa chácara (que também fica em Ibiúna, ao lado do haras onde o assassinato ocorreu), montado em um cavalo preto, procurando pela Sandra. Mas nem ele nem ela me diziam que eram namorados. Só soube depois, quando ele começou a persegui-la.

Ficou apreensivo quando isso começou a acontecer?

GOMIDE: Quando vi que ela estava namorando um cara tão velho, disse que ela tinha entrado numa fria. Em casos assim, o cara quer ser dono da mulher, pensa que ela é seu objeto. Quando ele começou a fazer ameaças e fomos à delegacia registrar ocorrência, um escrivão de polícia disse que, em 90% dos casos, essas ameaças se concretizam.

E o que o senhor fez?

GOMIDE: Coloquei um segurança para acompanhar Sandra por uns 15 dias, até ela dizer que estava bem. Disse que não achava que o Pimenta fosse capaz de cumprir as ameaças. Ele dizia que ia matá-la e depois se matar.

O senhor sente ódio de Pimenta Neves?

GOMIDE: Aquele ódio que eu tinha na época do crime diminuiu pela metade.

Como era sua vida antes?

GOMIDE: Era a coisa mais gostosa do mundo. Eu tinha minha loja de escapamentos, três empregados, tinha oficina mecânica. Eu só administrava. E tinha minha filha que morava ao lado, na França Pinto, Vila Mariana.

Então vivia uma situação financeira bem mais confortável que agora...

GOMIDE: A vida era muito boa. Eu trocava de carro todo ano. Sandra também.

Como o senhor recebeu a notícia da decisão do STF?

GOMIDE: Ontem quase não reagi. Tinha tomado muito calmante. Eu e minha mulher vivemos à base de calmantes. Só assim para aliviar a dor de perder uma filha de maneira tão trágica.