Título: Isolar os radicais no Código Florestal
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Fonte: O Globo, 26/05/2011, Opinião, p. 6

A aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto do Código Florestal faz, enfim, tramitar um tema essencial, encalhado há tempos nas divergências entre associações de produtores rurais e ambientalistas, ambos com representação no Congresso e espaço no Executivo federal.

Mas, se foi superada a etapa da Câmara, não significa que será tranquila a tramitação do novo Código do Senado, quando o governo tentará recuperar-se das derrotas na Câmara. Não está afastado o veto presidencial, caso o revés perante os deputados seja confirmado pelos senadores.

Ficou evidente a relatividade da solidez da base parlamentar do governo. Diante de um tema de interesse amplo, como o da preservação do meio ambiente e da produção agropecuária, o fisiologismo usado na montagem da bancada oficial foi incapaz de garantir a unidade. Tende a ser sempre assim. Até mesmo 35 petistas apoiaram, na votação, o Código na versão do relator do projeto, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), criticado pelo Palácio.

Só a complexidade do assunto e a multiplicidade de interesses muito concretos em jogo podem explicar a aliança firmada entre um comunista e a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu (ex-DEM).

Há, de fato, problemas no texto aprovado, um deles a anistia a desmatadores, um dos dispositivos que o governo desejava rejeitar. Outra questão intrincada, em torno da qual também haverá grande polêmica no Senado, é a prerrogativa concedida também às assembleias legislativas para estabelecer limites em cada estado visando à preservação do meio ambiente.

Em tese, é forte o argumento de que, num país tão extenso e diversificado, cada legislativo tem melhores condições de regular a matéria. Mas, na prática, pela baixa qualidade da política parlamentar praticada nos estados, mesmo nos maiores, é sensato manter este poder em Brasília, onde o Executivo e o Congresso são mais visíveis para a sociedade.

O Código aprovado na Câmara, no entanto, é um avanço em vários pontos relacionados à necessidade crucial de a preservação não inviabilizar a mais dinâmica agricultura do planeta, nem vice-versa.

Foi isto, inclusive, que forçou o governo Lula a adiar a entrada em vigor do Código, depois de alterado por medidas provisórias, pela absoluta impossibilidade de ele ser aplicado.

Como costuma ressaltar Aldo Rebelo, a maior parte dos produtores rurais - pequenos e médios - estaria na ilegalidade caso fossem aplicadas as regras estabelecidas no passado para, por exemplo, manter Áreas de Preservação Permanente (APP), sobre o cultivo em topo e encostas de morros, e com relação à vegetação às margens dos rios.

Na forma como estavam redigidas, as normas inviabilizariam antigas e tradicionais culturas - de uva e outras frutas no Sul e Sudeste, entre elas.

O debate continuará no Senado, quando precisarão ser feitos ajustes, sem perder como referência básica o convívio da produção com a preservação. Para isso, será necessário isolar os radicais dos dois lados.