Título: Trabalhadores terceirizados em alta nas estatais
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 22/05/2011, Economia, p. 35

Após pressão do TCU, Petrobras muda critério e 20 mil terceirizados desaparecem de suas estatísticas

Pressionada pelo Tribunal de Contas de União (TCU) em agosto do ano passado para reduzir o número de terceirizados nos próximos anos, a Petrobras decidiu mudar o critério de como contabiliza seu quadro de empregados, que passou a excluir funcionários de empresas contratadas que atuam fora das unidades da companhia. Sem que houvesse demissões, quase 20 mil terceirizados sumiram, assim, das estatísticas da estatal no segundo semestre do ano passado, de acordo com dados enviados pela empresa à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Nas estatais Banco do Brasil (BB) e Eletrobras, os números oficiais indicavam aumento de terceirizados em 2010, segundo levantamento do GLOBO com base nos dados enviados à CVM.

Em meio ao rápido crescimento das atividades, a Petrobras acelerou a terceirização de mão de obra. O contingente dobrou entre dezembro de 2005 e junho de 2010, de 156 mil para 310 mil terceirizados, chegando à relação de quatro para cada concursado (76.977 em junho). O quadro chamou a atenção do TCU, que investigou contratos de estatais e identificou "indícios de burla à legislação", com terceirizados atuando em atividade-fim ou subordinados a concursados, o que é proibido pelo artigo 37 da Constituição. O TCU recomendou a substituição desses terceirizados por concursados em cinco anos a todas estatais.

Após a recomendação do TCU, a Petrobras mudou suas estatísticas. Enviou à CVM que, em dezembro de 2010, o número de terceirizados havia recuado pela primeira vez em seis anos: passou a 291 mil - relação de 3,6 terceirizados para cada concursado (80.492). Isso aconteceu após a adoção de critérios de contabilização que vêm sendo contestados por especialistas do setor e o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Procurador diz que há "maquiagem"

Mariângela Mundim, gerente de Planejamento de Recursos Humanos da Petrobras, diz que conceitos de mão de obra terceirizada estão sendo revistos pela estatal e que funcionários de empresas que prestam serviço fora das unidades da companhia estão sendo excluídos das estatísticas. Ela confirma que não houve demissão e que os terceirizados que trabalhavam fora das instalações da empresa eram incluídos "até por uma questão de contabilização de acidentes".

- Se você contrata um pessoa para fazer um serviço na sua casa e acontece um acidente, a responsabilidade é sua. Mas se você contrata uma empresa para fazer um serviço fora da sua casa e acontece um acidente, a responsabilidade é da empresa contratada - diz a gerente de RH.

O Ministério Público do Trabalho, que move ações na Justiça contra a Petrobras pleiteando a substituição de terceirizados por concursados na companhia, classificou a mudança como uma "maquiagem e mascaragem".

- É estranho, se não houve nenhuma demissão, a omissão desses dados. É mais uma maquiagem e mascaragem - afirma o procurador Marcelo José Fernandes da Silva.

Para Maria Aparecida Pelegrina, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, a Petrobras "quer se livrar de um problema". Ela afirma que a legislação trabalhista brasileira e internacional busca sempre a garantia da saúde de trabalhadores.

- É uma garantia mínima que a empresa tem que responder. E isso é tranquilamente aceito perante a Justiça de Trabalho - diz a advogada, do escritório Opice Blum Advogados.

Segundo o MPT, o aumento de terceirizados também envolveu atividades estratégicas da Petrobras, como a fiscalização de plataformas em alto mar, funções que só podem ser exercidas por funcionários concursados.

O Ministério Público diz que 80% dos terceirizados estão em situação irregular, em atividades-fim. O MPT quer a substituição desses terceirizados e dos que têm uma relação de subordinação direta na empresa: usam crachás da Petrobras, têm um chefe concursado e não têm contato diário com a empresa contratante terceirizada.

- Chegamos a conseguir na Justiça um mandado de busca e apreensão para recolher informações de terceirizados, mas a Petrobras conseguiu suspender a decisão. E no meio do caminho, começou a alterar internamente informação sobre seus terceirizados - explica Silva.

Denúncias recebidas pela Procuradoria apontam que a companhia promove mudanças nos crachás e na listagem na intranet, o que dificultaria auditorias periódicas do TCU e as diligências do Ministério Público.

Segundo os relatos, dados na intranet sobre quem trabalha na estatal - como nome, empresa contratante, cargo e subordinação - estão sendo simplificados, para dificultar a identificação de subordinação direta de terceirizados a concursados, condenada pelo TCU. Os crachás também estariam sendo alterados. Embora permaneçam as cores diferentes (marrons para terceirizados e verde para concursados), estão sendo retirados cargos e a empresa contratante.

Levantamento do GLOBO mostra que somente em 2010 a Petrobras assinou contratos que somam R$1,425 bilhão com oito empresas apontadas em processos na Justiça como fornecedoras de mão de obra terceirizada para atividade-fim da companhia. Foram quase 70 contratos. As maiores fornecedoras são Hope Consultoria e Personal Service, com contratos de R$581 milhões e R$486 milhões, respectivamente. Os dados estão na prestação de contas da Petrobras ao governo e não incluem subsidiárias.

Entre as empresas, a Hope Consultoria tem sede em Itaguaí (RJ), na Avenida Paulo de Frontin. A sala de dez metros quadrados conta só com uma escrivaninha e um vaso de planta, e existe apenas por razões de incentivos fiscais. Na última quinta-feira, O GLOBO esteve no local, e somente uma secretária trabalhava na sala. No Rio, o escritório da Hope ocupa dois andares em um prédio na Avenida Augusto Severo, na Glória. No fim de 2010, tornou-se S/A e divulgou balanço. No embalo dos contratos, registrou lucro líquido de R$16 milhões em 2010, ante R$1,3 milhão no ano anterior.

Estatais pedem mais tempo a tribunal

O problema não se resume, no entanto, à Petrobras. Números enviados à CVM mostram que outras estatais têm aumentado seus trabalhadores terceirizados, embora as empresas neguem. Segundo dados mais recentes, o BB tinha 36.041 terceirizados em março de 2010, frente a 34.580 em 2009. No mesmo período, o quadro de concursados caiu de 103.971 para 103.923 na mesma base de comparação.

- Os números podem ser maiores, porque o BB usa terceirizados em serviços tipicamente de bancários, em atividades como oferecer produtos financeiros pelo telefone e com correspondentes bancários. E esses números não entram nas estatísticas - diz Marcel Barros, do Contraf-CUT.

No Sistema Eletrobras, os dados na CVM mostram que os terceirizados aumentaram de 7.333 para 8.172, entre 2009 e 2010. O total de funcionários próprios cresceu em ritmo inferior, de 24.423 em 2009 para 24.967 no ano passado.

As estatais têm pleiteado aumento do prazo dado pelo TCU para adequar o número de terceirizados. Até outubro de 2010, elas tinham dois meses para apresentar um retrato do atual quadro, e não cumpriram. Segundo fontes ligadas ao Tribunal, as estatais querem que os dois meses virem dois anos. O motivo seria a dificuldade de organizar informações por causa da complexidade dos contratos.

Para Mariângela, gerente da Petrobras, será "difícil não aumentar a quantidade de prestadores de serviços" com o crescimento da empresa.

Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, lembra que o TCU pressiona as estatais para reduzir o número de terceirizados, mas que as companhias têm adiado como podem uma solução.

- As estatais são uma caixa-preta e divulgam poucas informações. Elas se valem do conceito que o mercado é competitivo e que perderiam competitividade - diz Castelo Branco.