Título: Caso Palocci reabre discussão sobre lobby
Autor: Braga, Isabel; Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 22/05/2011, O País, p. 3

Diferentemente da consultoria, tráfico de influência é crime, mas usual

BRASÍLIA

O caso Palocci reacende a discussão sobre a legalização do lobby nos três poderes, em especial no Congresso, onde é permitido a deputados e senadores atuarem como consultores, como foi o caso do atual ministro da Casa Civil no seu último período no Parlamento, entre 2007 e 2010. Entre os políticos e especialistas não há quem diga ser contra regulamentar a ação do lobista, mas interesses variados impedem o avanço de propostas discutidas há pelo menos 20 anos no Congresso. Para entidades da sociedade civil e parlamentares da oposição e do governo, a lei deve tratar do lobby privado e impedir que deputados e senadores atuem como consultores da iniciativa privada, como permitido hoje. O lobby, a consultoria e o tráfico de influência andam na mesma via no centro do poder , em Brasília, comrisco iminente de ilegalidade em situações diversas. São atividades que se confundem, sendo que apenas uma delas, a consultoria, é legal, permitida. Tráfico de influência é crime, e lobby, uma profissão não regulamentada, é prática comum na capital ¿ principalmente no Congresso, mas também na Esplanada dos Ministérios. O ex-líder do PT na Câmara Fernando Ferro (PE) conta que foi assediado muitas vezes por lobistas nos corredores da Casa, e que os pedidos nem sempre eram republicanos. E diz mais: alguns lobistas atuam no ¿limite da corrupção¿.

¿Já fui assediado por lobistas e de forma muito pouco ética. Tem gente que trabalha no limite da corrupção, de querer te comprar mesmo. Comprar influência do poder . É preciso controle social da atividade, que hoje existe mas de maneira discutível, para não dizer outro nome ¿ disse o petista, confirmando que o assédio maior é aos governistas. Ferro éa favor da legalização do lobby e contrário à permissão para parlamentar prestar consultoria, como no caso de Palocci:

¿Sou da bancada do governo, e as pessoas se acham no direito de pedir para eu facilitar caminho, tanto lobbies saudáveis como interesses não republicanos. Quem exerce cargo público deveria se resguardar , inclusive deputado. Não pode interferir com seu mandato para obter vantagens. Deve se restringir a seu mandato e não exercer duplas funções.

Cláudio Abramo, da ONG Transparência Brasil, considera que, sem a regulamentação, o papel de consultor e lobista se confunde. Diz não entender por que não regulamentam o lobby:

¿ É um tema praticamente unânime, ninguém é contra.Mas não anda. E nos permite deduzir que é um assunto que não interessa aos deputados. Devem ter bons motivos para isso. O diretor do Departamento Inter-sindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Queiroz, também defende a regulamentação do lobby, mas salienta que, mais importante que isso, oCongresso deveria, primeiro, debruçar-se sobre projeto que trata do conflito de interesses de ocupantes de cargos no Executivo:

¿ É preciso disciplinar na lei quais são os limites do agente político, deixar claro o que pode ou não. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, considera lobby sem regulamentação como uma atividade relacionada àcorrupção e diz que consultoria pode ser utilizada como ação de tráfico de influência:

¿- Seria salutar regular o lobby, hoje sinônimo de negócios escusos, safadeza e maracutaias. Mas parece ser um tema tabu no Congresso, que não vota nunca esse projeto. Há medo de se debater isso abertamente. É preciso afastar o preconceito sobre o lobby, porque vai continuar existindo. Que exista às claras. A pessoa foi eleita para ser parlamentar .Não pode usar o cargo para benefício próprio. Entre políticos, apreocupação com ocaso Palocci édiferenciar as atividades. O líder do DEM, ACM Ne-to (BA), afirma:

¿ A lei não impede, mas deveria impedir quem tem mandato de ter consultoria. Parlamentar não faz lobby, defende posições. O errado é usar o mandato para construir uma rede privada e ganhar dinheiro comisso. Lobby é diferente do parlamentar , como o ruralista, que defende segmentos que lhe dão suportes. Existem hoje quatro propostas tramitando na Câmara para regulamentar o lobby. A mais antiga, do ex-senador Marco Maciel, é de 1990, e está pronta para ir a voto no plenário, mas com parecer contrário de constitucionalidade. Mas o projeto mais específico é de Carlos Zarattini (PT-SP), de 2007, já aprovado na Comissão do Trabalho e há dois anos engavetado na Comissão de Constituição e Justiça. O texto prevê que o lobista seja credenciado e identifique toda a sua ação, inclusive o que gastar coma atividade, prestando contas anualmente ao Tribunal de Contas da União:

¿ Meu projeto trata de uma coisa específica, atuação do setor privado junto ao público. Consultoria é um assunto vasto, palpitódromo.A pessoa dá palpite, opinião sobre umtema, não tem como regulamentar consultoria¿ argumenta Zarattini. Na CCJ, oprimeirorelator desse projeto, Bruno Araújo (PSDB-PE), ficou dois anos com oassunto. Ele afirma que não conseguiu consenso. Na última sexta-feira, semana em que estourou a denúncia sobre Palocci, novo relator foi indicado pelo presidente da Comissão, João Paulo Cunha (PT-SP): César Colnago (PSDB-ES).

¿O projeto vememboa hora. É preciso dar transparência à atividade. ■