Título: Briga com a realidade
Autor:
Fonte: O Globo, 30/05/2011, Opinião, p. 7

Dos sete textos publicados nestas páginas de Opinião do dia 3 de maio, três fazem referência ao BNDES. O banco seria instrumento para oferecer "fortunas ao grande capital parasitário", escolheria empresários para "transitar pelos cofres" para reforçar o "capitalismo de Estado" e "foi transformado numa gigantesca máquina de transferência de riqueza dos pagadores de imposto para os grandes empresários aliados ao governo".

É óbvio que os colunistas e o editorial podem manifestar opiniões negativas sobre um dos três maiores bancos de desenvolvimento do mundo, com desembolsos 4,5 vezes maiores que os do Banco Mundial. Mas seria importante que o leitor recebesse informações mais precisas.

Uma informação relevante é que todas as decisões de financiamento são tomadas por colegiados, dificultando influências externas. São pelo menos 30 técnicos de carreira envolvidos nessas operações. Uma prova do rigor é que a inadimplência do BNDES é a menor do sistema bancário (0,15%).

Outro ponto é que o banco é historicamente um financiador da infraestrutura e da indústria, ajudando a gerar milhares de empregos. Mas nos últimos anos os financiamentos para as micro, pequenas e médias empresas cresceram significativamente. Das 610 mil operações, 68% são com as companhias de menor porte. Em 2006, o banco emprestava R$11 bi para estas empresas; em 2010, foram mais de R$45 bi. Entre 2009 e 2010 os financiamentos a este tipo de empresa aumentaram de 17,6% para 27,1%.

Talvez os colunistas não saibam, mas o banco tem como uma de suas missões o incentivo ao mercado de capitais. Um dos instrumentos para isso é tornar-se sócio de empresas, dos mais variados tamanhos, com vistas a incrementar a governança e incentivar o desenvolvimento financeiro de longo prazo, permitindo que empresas brasileiras ganhem robustez, se modernizem e, muitas vezes, se internacionalizem. Com isso, o BNDES agrega valor e pode vender suas ações, usando os recursos para alavancar outras companhias. Nestes casos, as operações são realizadas a custo de mercado, gerando ganhos e permitindo que este lucro seja revertido em forma de empréstimos. Em 2010, o BNDES lucrou mais de R$9 bi, a maior parte proveniente de renda variável.

Na crise de 2009, em que o BNDES foi fundamental para a economia, as críticas frágeis e retóricas desapareceram. Ao desqualificar o BNDES e os empresários brasileiros, não se percebe o momento histórico que estamos vivendo. Tratar operações complexas como mero jogo entre amigos é brigar com a realidade. Felizmente, a repetição de frases de efeito, mesmo que concentradas em uma página de jornal, não é capaz de transformar imprecisões em verdades.

FÁBIO KERCHE é assessor da presidência do BNDES.