Título: Ilhas de excelência passam por prova de fogo
Autor: Merola, Ediane
Fonte: O Globo, 30/05/2011, O País, p. 4

Dedicação de professores leva duas escolas a bons resultados no Índice de Educação do Rio

AS PROFESSORAS Rose, Rosana e Marynete, na charrete em Paquetá

OS ALUNOS da ilha assistem à aula numa das salas do prédio tombado

OS ESTUDANTES da Pedro Bruno se reúnem em frente à sede da escola, que precisa de reformas: parte dos alunos estuda em salas improvisadas

A DIRETORA Edna e o filho Matheus, aluno do colégio: sem evasão

CRIANÇAS DO Ciep 1º de Maio fazem fila para entrar na sala de aula: alunos respeitam os professores

A ALUNA Ana Beatriz Firmino, fantasiada de Emília, lê para as crianças

UMA TURMA faz aula de karatê no pátio do Ciep: luta sem violência

Cercado de favela por todos os lados, o Ciep 1º de Maio, em Santa Cruz, se destacou como uma ilha de excelência em educação depois que seus alunos do 3º ano do ensino fundamental conseguiram o melhor Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro (IDE-Rio) de 2010 ¿ nota 8,1. Estudantes do 7º ano também participam desta avaliação, promovida pela Secretaria municipal de Educação, e neste segmento o melhor resultado foi obtido pela Escola Municipal Pedro Bruno, que fica literalmente numa ilha, a de Paquetá. A turma obteve nota 6,1 e, apesar de estar localizada num bairro tranquilo, longe da violência carioca, também enfrenta problemas. Os alunos que fizeram o teste ano passado, por exemplo, estudam em salas improvisadas, feitas de madeira. E, atualmente, o colégio não oferece atividades extras. As dificuldades, no entanto, não abalam a motivação dos 17 professores, que diariamente cruzam a Baía de Guanabara para ensinar.

Professores vão de barca e fazem reuniões a bordo

O comprometimento dos profissionais, segundo especialistas em educação, é um dos ingredientes para a receita de sucesso de escolas como a Pedro Bruno e o Ciep 1º de Maio. Envolvidos com o trabalho, mesmo diante dos problemas eles conseguem seguir em frente e vencer desafios:

¿ O fator que mais pesa no desempenho dos alunos e de uma escola é seu corpo docente, aliado ao gestor. É por isso que escolas em áreas de risco, com alunos de classes menos favorecidas, conseguem bons resultados. Os professores se esforçaram para bem ensinar e os alunos, independentemente de fatores adversos, aprenderam a aprender. O esforço de professores e alunos deve ser reconhecido publicamente porque, sem dúvida, servirá de exemplo ¿ diz a educadora Terezinha Saraiva, ex-secretária municipal de Educação.

No caso da Pedro Bruno, a maioria dos professores pega a barca das 7h10m, na Praça Quinze, e chega à escola para o primeiro tempo de aula, às 8h30m. As provas costumam ser corrigidas e até elaboradas no balanço das águas e, sempre que necessário, as reuniões são feitas a bordo, com a presença da diretora Edna Maria Augusto da Silva. Ela também mora no Rio e viaja com o filho Matheus, que estuda no colégio e, por coincidência, faz parte da turma avaliada.

¿ Cheguei na escola em 2003. Fortaleci o grêmio, o Conselho Escola Comunidade. Aqui os alunos são avaliados globalmente, verificamos comportamento, relacionamento. Não temos evasão, por exemplo. Alunos que foram estudar no Rio acabaram voltando ¿ diz Edna, que hoje sonha voltar a oferecer atividades extras ao alunos. ¿ Estamos sem um programa da secretaria. Os alunos não têm muitas alternativas no bairro, por isso deixo que joguem bola no terreno da escola, podem usar os computadores do laboratório para navegar, jogar. É uma forma de mantê-los na escola.

De acordo com a secretária municipal de Educação, Claudia Costin, atualmente só as Escolas do Amanhã, localizadas em áreas de risco, e as de baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) têm atividades em contra fluxo. Mas promete pensar no caso da Pedro Bruno, que ela mesma classifica como um caso especial.

Outro problema que precisa de solução em Paquetá é a conclusão do novo prédio. A escola funciona num edifício tombado pelo município e parte dos alunos está em salas provisórias há três anos. A obra está em fase de licitação:

¿ O governo tem que olhar pela gente. Botaram estacas de madeira para segurar o teto que ameaça cair. A sala esquenta muito ¿ diz Rafaella da Fonseca, do 8º ano.

Para a educadora Mírian Paura, da Uerj, as dificuldades enfrentadas funcionam como estímulo:

¿ Essas escolas deveriam ser alvo de pesquisa, para saber o diferencial delas. A secretaria precisa investir mais nesses colégios e manter uma avaliação permanente.

Na escola de Paquetá, por exemplo, outro ponto positivo é a presença de ex-alunos no corpo docente:

¿ Sou mochileiro, viajo muito. Volto e conto minha experiência para eles, mostro que também podem ganhar o mundo ¿ diz o professor de inglês André Luis Júnior.

Tanto na Pedro Bruno quanto na 1º de Maio, chama a atenção o fato de as escolas terem diretoras dispostas a mudar a realidade. Assim como Edna, Sueli Gaspar, diretora do Ciep de Santa Cruz, não se intimidou nem com os tiros disparados por facções rivais das favelas de Rolas e Antares, suas vizinhas. Os traficantes até tentaram montar uma boca de fumo no pátio do colégio, mas com a ajuda de pais da comunidade conseguiu evitar o pior. Hoje, o Ciep que já foi considerado escola problema é disputado: mais de 70 alunos estão na fila de espera por uma vaga.

¿ Essa escola quase fechou. Agora temos 22 turmas e 623 alunos, entre 2 anos e meio e 11 anos. O nosso trabalho começa na base, com o incentivo à leitura. Sempre lembro que essa escola não é minha. Não moro aqui. Um dia vou sair e o trabalho vai ter que continuar ¿ diz Sueli.

Aluna do 4º ano, Thaissa da Silva é da turma avaliada em 2010 e, de acordo com a menina, moradora de Antares, a escola é um mundo à parte.

¿ Aqui não tem violência.