Título: Segunda cidade que mais desmata tenta se reinventar
Autor: Carvalho, Cleide
Fonte: O Globo, 29/05/2011, O País, p. 4

IMPASSE NO CAMPO

Nova Ubiratã, em Mato Grosso, vive crise após intervenção do Ibama

NOVA UBIRATÃ (MT). No coração de Mato Grosso, cerca de 9 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, estão assustadas. Há dias em que ter a presença da polícia significa ter um policial militar na cidade. Na última semana, foi o contrário: centenas de militares do Exército surgiram por lá desde que Nova Ubiratã apareceu como a segunda cidade mato-grossense que mais desmatou na área da Amazônia Legal em abril.

A 30 km da rua principal da cidade, tratores arrastaram um correntão para colocar abaixo centenas de árvores. Restaram montes de galhos, mato e terra. Muitos se apressam em dizer: o dono da fazenda é Valdemilso Badalotti, que nem mora no município. É do Paraná e desmatou com a intenção de arrendar a área para plantio de arroz. O que se fala no maior bar da cidade é que Badalotti é dono de 75 mil hectares de terra em três estados - além de Mato Grosso, Tocantins e Pará.

Ocorre que não foi só Badalotti quem desmatou. Ele e mais cinco fazendeiros de Nova Ubiratã tiveram suas fazendas embargadas pelo Ibama após o desmatamento de abril. De 2005 para cá, o órgão já embargou 47 propriedades por corte ilegal de madeira no município.

Na floresta, a lei funciona assim: a cada 10 hectares de terra, o dono tem de preservar 8. É isso que os proprietários não estão cumprindo.

Nova Ubiratã é um pedaço de terra de 1,270 milhão de hectares, dos quais 134 mil são reservas ecológicas ou indígenas. Dos 1,136 milhão restantes, entre 350 mil e 400 mil já foram ocupados pela agricultura ou pecuária. Só a soja ocupa 240 mil hectares.

Demissões em serrarias

Em abril, a cidade perdeu num só mês 7.900 hectares de floresta. A voracidade e o número de alertas no sistema de satélites de monitoramento levaram o Ibama para Nova Ubiratã.

A preocupação dos moradores faz sentido. A cidade tem 20 serrarias e, com a megaoperação policial, muitas suspenderam as atividades e já dispensaram os funcionários. Todas estão fora da lei?

- Ninguém consegue trabalhar 100% dentro da lei - reconhece a dona de uma das serrarias, que não quis se identificar.

A desta mulher ainda cortava madeira na última quinta-feira, mas pouca coisa. Sem as toras, perto de 500 pessoas podem perder o emprego.

O prefeito Osmar Rossetto (PT) tenta driblar a crise. Com o apoio da ONG americana The Nature Conservancy (TNC) e do Ibama, aprendeu a manusear programas de computador que cruzam imagens dos satélites do Inpe com o mapeamento aéreo do município e da Amazônia Legal. Com o alerta do Inpe, ele sabe qual fazenda está desmatando. Mas, quando o satélite pega, a mata já foi abaixo.

Não bastasse a preocupação com os grandes, há os pequenos. Com o desmatamento, o governo federal embargou financiamentos aos municípios, atingindo principalmente os pequenos produtores. Em Nova Ubiratã, a maioria deles é de assentados pela reforma agrária.

São cerca de mil famílias que ganharam terras, mas, sem financiamento, acabaram abandonadas. Assentados há 10 anos ainda não possuem título de posse, o que os impede de correr atrás de recursos. Sequer podem provar que têm alguma coisa.

O pior cenário é o dos assentados em Entre Rios. A área não deveria estar ocupada, o que levou o Ibama a acionar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A saída é a chamada compensação ambiental - comprar área em outro lugar para manter preservada e "compensar" o estrago no local.

Jonas Silva, maranhense, chegou há oito anos no Mato Grosso em busca de alguma oportunidade. Juntou-se aos que reivindicam terra. Há quatro anos, conseguiu 37 hectares em Nova Ubiratã.

Conseguiu plantar melancia e se encaixar num outro programa do poder público, o de venda de produtos para merenda escolar. Agora, teve de tomar R$3 mil emprestados com um político local para fazer um sistema de irrigação caseiro. Ganha entre R$500 e R$800 por mês. Plantou tomate, pepino e sonha em melhorar de vida.

- Graças a Deus a gente tem um lugar - abre um sorriso e diz Mariana, mulher de Silva.

Quem não consegue dinheiro para produzir trabalha nas fazendas e fica com a terra própria parada. Outros, perto de fazendas, optam por plantar milho. As mil famílias do assentamento Entre Rios ficam a 150 km da cidade. Olhando no mapa aéreo do Inpe, é uma grande clareira aberta no meio da mata. Sem ter como sobreviver, muitos assentados cortam madeira para vender, repetindo o ciclo.

O prefeito de Nova Ubiratã quer ajuda federal para regularizar as terras dos assentados, oferecer financiamento, apoio técnico de plantio e criar soluções para que eles produzam sem degradar o ambiente.

- Para preservar é preciso apoio, não só fiscalização - diz ele.