Título: Consultoria com movimentações atípicas
Autor: Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 21/05/2011, O País, p. 4

BRASÍLIA. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviou Relatório de Informações Financeiras (RIF) à Polícia Federal apontando movimentações atípicas de empresas que mantiveram negócios com uma grande incorporadora paulista. Nessa lista está o nome da empresa Projeto, do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.

O relatório foi produzido pelo Coaf a pedido da PF, que investiga a atuação da incorporadora. Em nota divulgada anteontem, a PF informou que não está investigando nem a Projeto, nem o ministro Palocci. O relatório está na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (Delefin) da PF em São Paulo desde fevereiro. Movimentação atípica é um conceito usado pelo Coaf para indicar pagamentos, recebimentos ou transferências financeiras fora do padrão ou da capacidade financeira do correntista, que devem ser objeto de investigação.

Ao levantar as informações sobre a incorporadora, técnicos do Coaf esbarraram em outras empresas que fizeram negócios com ela, entre elas a Projeto. A partir do relatório, a polícia ampliou as investigações sobre as transações dessa incorporadora, que está à frente da movimentação de expressivas somas. A prioridade vem sendo dada às grandes movimentações financeiras. A transação da Projeto não está entre as maiores cifras.

Caso venha a descobrir algum indício de irregularidade envolvendo a empresa do ministro, a polícia terá que remeter o inquérito para o Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe ao tribunal conduzir investigações relacionadas a negócios ou à atuação de ministros de Estado. Caso não se comprove que houve irregularidade, o relatório é arquivado.

A circular 2.826, editada pelo Banco Central em 1998, elenca mais de 40 transações que podem ser classificadas como atípicas. Entre elas estão "aumentos substanciais no volume de depósitos de qualquer pessoa física ou jurídica". O Banco Central exige ainda que as instituições financeiras informem ao Coaf todas as transações acima de R$10 mil que possam configurar indícios de lavagem de dinheiro. Além dos pedidos que recebe da polícia e do Ministério Público, na rotina diária de trabalho, o Coaf faz uma triagem das informações recebidas, cruza com dados obtidos em outras fontes e, se entender que as suspeitas são consistentes, despacha relatórios para PF e MP.

A partir daí, com o uso de instrumentos de investigação criminal, cabe à polícia verificar se as transações mencionadas constituem crime. Nem sempre as suspeitas iniciais se confirmam. O Coaf repassa as informações à polícia sem avisar aos investigados.

Em novembro do ano passado, a Projeto registrou a compra de um apartamento de R$6,6 milhões, nos Jardins, em São Paulo, valor bem acima dos recursos recebidos pelo ministro como deputado federal na última legislatura. A dívida foi quitada em duas parcelas, uma de R$3,6 milhões e outra de R$3 milhões. A segunda prestação foi feita com uma TED (transferência eletrônica) para a conta bancária da construtora.

Antes da compra do apartamento, a empresa já tinha adquirido um escritório de R$882 mil, também em São Paulo. Em nota divulgada no domingo, o ministro disse que comprou e pagou o apartamento e o escritório com o dinheiro que recebeu de consultorias prestadas a empresas privadas desde 2006.

Palocci criou a Projeto em 2006, depois de deixar o Ministério da Fazenda. A empresa foi criada pelo ministro em sociedade com a mulher, Margareth, com um capital social inicial de R$2 mil. Palocci entrou com R$1.980 e a mulher, com R$20. Depois, em 2009, o capital da empresa foi aumentado para R$52 mil. Ano passado, a empresa declarou à Junta Comercial de São Paulo capital de R$102 mil.