Título: Mar de contas por analisar
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2009, Política, p. 2

A criação de regras flexíveis para justificar gastos de convênios não reduziu o estoque de faturas a serem fiscalizadas. Valor subiu de R$ 12,5 bilhões para R$ 15,7 bilhões

Dois anos após o governo anunciar novas regras para evitar fraudes e agilizar o processo de prestação de contas de convênios, o estoque de contas não analisadas ou não prestadas subiu de R$ 12,5 bilhões para R$ 15,7 bilhões. Quase 85% desse valor corresponde a contas que foram apresentadas pelos conveniados (estados, municípios e entidades privadas), mas não foram analisadas pelos ministérios. O restante (R$ 2,4 bilhões) é relativo a contas que nem sequer foram apresentadas pelas entidades que receberam os recursos. O Ministério da Educação lidera o ranking do atraso, com estoque de R$ 3,6 bilhões em contas não analisadas. A maioria refere-se a convênios anteriores ao ano 2000, informa o ministério.

Em segundo lugar aparece o Ministério da Saúde, com acumulado de R$ 2,4 bilhões. Considerando só as prestações de contas não apresentadas, a primeira colocação é do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com R$ 543 milhões. O ministério alega que o passivo é, em sua maioria, anterior à criação da pasta, em janeiro de 2004.

O longo atraso na fiscalização das contas públicas tem duas consequências básicas, segundo técnicos do tribunal. Primeiro, dificulta a conferência de dados e a apuração de responsáveis por possíveis irregularidades. Segundo, estimula a prática de fraudes, pela certeza da impunidade.

O desempenho das organizações não governamentais (ONGs) piorou de 2006 a 2009. O número de prestações de contas não apresentadas por essas entidades quase dobrou no período, passando de 478 para 848 processos. Em valores, pulou de R$ 177 milhões para R$ 454 milhões. Em relação às contas recebidas, mas não analisadas, a situação de piora é generalizada. A exceção é o Ministério da Educação, justamente o que tem o maior estoque de contas em atraso. O passivo foi reduzido de R$ 3,1 bilhões para R$ 2,4 bilhões no período.

As transferências voluntárias da União financiam projetos variados, como implantação de centros de inclusão digital, execução de sistemas de esgoto sanitário, construção de estradas em assentamentos, implantação de redes de energia elétrica, apoio a projetos de irrigação, alfabetização de jovens e adultos. Grande parte desses recursos atende as emendas dos parlamentares ao Orçamento da União.

Repasses Em julho de 2007, o governo federal admitiu que havia um total de 91,6 mil convênios com contas não analisadas. Cerca de 16 mil contratos aguardavam análise havia mais de cinco anos. Convênios celebrados na década de 70 ainda não tinham as contas aprovadas. O Ministério do Planejamento e a Controladoria Geral da União (CGU) anunciaram, então, novas regras para transferências de recursos da União para estados, municípios e entidades privadas mediante convênios. Naquele ano, os repasses somavam R$ 15 bilhões por ano. Um dos instrumentos criados para ¿ampliar a transparência e a fiscalização dos repasses¿ foi o Sistema de Gestão de Convênios (Sincov).

Na análise das contas do governo federal relativas ao exercício de 2006, o TCU havia apontado a incapacidade do Executivo em acompanhar e avaliar os resultados e as prestações de contas das transferências voluntárias. Passados dois anos do anúncio das novas regras, o total de transferências voluntárias atinge R$ 25,7 bilhões. O atraso médio nas prestações de contas está em 4,3 anos. Monitoramento feito pelo tribunal em dezembro do ano passado constatou que o Sincov ainda não estava operando com funcionalidades suficientes para atender, de modo confiável, os procedimentos de execução, acompanhamento e prestação de contas dos convênios e contratos.

Prazo Questionado pelo Correio, o Ministério do Planejamento alegou que o prazo determinado para a extinção do estoque de prestação de contas não analisadas é fevereiro de 2010. ¿Portanto, ainda faltam seis meses para o fim do prazo. Não é razoável qualquer órgão federal inferir de antemão que o prazo não será cumprido. Se, no prazo determinado, os órgãos não cumprirem, terão que responder por isso, uma vez que a partir desta data, todos os convênios estarão registrados no portal de convênios¿, diz nota do ministério.

A assessoria de imprensa do Planejamento acrescentou que tudo o que se refere ao arquivamento de convênios da União com estados, municípios e ONGs foi tratado pelo ministro Paulo Bernardo com os ministros do TCU Walton Rodrigues e Ubiratan Aguiar. ¿E o Executivo não foi alertado pelo TCU sobre a possibilidade de os órgãos da administração pública não cumprirem o prazo determinado na Portaria 24/2008¿, conclui a nota.

Agilidade tecnológica

Com o Sincov, a prestação de contas dos convênios passará a ser eletrônica, podendo ser acompanhada diariamente mediante consulta ao portal dos convênios, que identificará cada pagamento e o beneficiário final. A identificação dos beneficiários e a transmissão eletrônica dos dados permitirá cruzamento de informações com outros bancos de dados oficiais (como a Receita Federal), o que facilitará os flagrantes a empresas fantasmas. Hoje, só é possível conhecer as empresas contratadas anos depois, com a prestação de contas em papel. O portal reunirá todos os convênios que o governo celebrará com estados, municípios e entidades privadas.

Contas em atraso (em R$ milhões)

Ministério Contas não Contas não Total apresentadas analisadas

Educação 96 3.592 3.688 Saúde 418 2.041 2.459 Integração Nacional 251 2.039 2290 Desenvolvimento Social 543 1.373 1.916 Ciência e Tecnologia 442 918 1.360 Justiça 0 832 832 Esporte 32 573 605 Trabalho e Emprego 0 567 567 Desenvolvimento Agrário 162 351 513 Turismo 0 203 203 Cidades 162 0 162 Comunicação 77 0 77 Senado Federal 51 0 51 Total 2.435 13.341 15.776 Fonte: Tribunal de Contas da União (TCU)

Reconhecimento e explicações

O Ministério da Educação reconhece os números do TCU, mas afirma que a grande quantidade de contas a analisar decorre da extinção, em 1997, da antiga Fundação de Assistência ao Estudante e de suas representações nos estados, quando o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ¿absorveu suas atribuições e passivos sem receber infraestruturas administrativas e de recursos humanos¿. Os demais ministérios que responderam ao Correio também confirmaram os números, informaram que estão ampliando o quadro de fiscalização e prometeram analisar as contas em atraso até fevereiro.

A situação no Ministério da Educação teria se agravado em 1998, quando o governo federal acabou com as delegacias do MEC nos estados, que fiscalizavam a aplicação dos recursos de projetos educacionais decorrentes de convênios e analisavam as prestações de contas. ¿O FNDE herdou as prestações de contas sem receber servidores para analisar os processos. Somente dessas situações o passivo herdado foi de quase 40 mil processos recebidos dos órgãos extintos¿, diz a assessoria.

O motivo principal para o atraso na análise das prestações de contas é o descompasso entre o número de processos a serem analisados e o quadro de servidores que analisam as contas prestadas, informou o Ministério da Integração Nacional. ¿As prestações de contas demandam não somente análise de documentos, mas devem cumprir exigências legais quanto a pareceres técnicos, que por sua vez demandam vistorias `in loco¿, notificações e prazos de defesa.¿ (LV)

Ampliação do quadro

O Ministério do Turismo informa que o estoque de prestações de contas a ser analisado é consequência da ampliação do orçamento e dos investimentos da pasta, com o consequente aumento do número de convênios e contratos a processar. ¿Para tal, houve a necessidade de ampliação do quadro de servidores de maneira a aumentar o volume, a agilidade e a qualidade do processamento¿, diz nota do ministério. Vinte e um novos profissionais, contratados em regime celetista, já estão reforçando as áreas de fiscalização e análise de prestação de contas.

¿Levando em conta tais elementos, o ministério estabeleceu compromisso com a CGU de processar, até 31 de dezembro de 2009, o estoque de prestação de contas não analisadas até o momento¿, acrescenta a nota. O ministério informa que, constatados problemas nas prestações de contas, envia ofício ao município, estado ou entidade para que providencie documentação complementar ou para que devolva os recursos. Caso a solicitação não seja atendida, o convenente é inscrito no cadastro de inadimplentes.

Concurso O Ministério do Desenvolvimento Agrário informou que os seus convênios referem-se a políticas de fomento à agricultura familiar, como assistência técnica, comercialização e infraestrutura produtiva. ¿Os atrasos (na análise das contas) devem-se à necessidade e urgência para a implementação de políticas públicas para o público beneficiário e à falta de estrutura e de pessoal. Para resolver o problema, o governo federal realizou concurso. No próximo período, o ministério dará posse aos seus primeiros servidores efetivos¿, diz nota do ministério.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome informou que criou uma força-tarefa para analisar o passivo de prestação de contas, que em sua maioria é anterior à criação da pasta, em janeiro de 2004. ¿Vale lembrar que decreto e portaria de 2008 asseguram prazo até 22 de fevereiro de 2010 para que sejam analisados os passivos. Somente no ano passado, o ministério analisou cerca de 32 mil processos. O MDS informa também que já tramita no Congresso Nacional projeto de lei que reestrutura a pasta, assegurando mais funcionários ao órgão, garantindo assim mais eficiência no processo de análise das contas¿, diz nota do ministério. (LV)