Título: Sintonia fina
Autor: Leitão,Míriam
Fonte: O Globo, 01/06/2011, Economia, p. 22

O Brasil está no meio de uma transição na conjuntura mas os dados ainda são contraditórios. Nos últimos dias foram divulgados indicadores mostrando manutenção de um ritmo alto da expansão do crédito, de 20% sobre o ano anterior, mas a produção industrial teve queda forte, houve aumento da arrecadação e do superávit primário. A entrada foi recorde de capitais externos.

O estoque total de crédito na economia cresceu ligeiramente. De 46,5% do PIB para 46,6% entre março e abril. Em relação ao mesmo mês do ano anterior, o crescimento foi de 20,8% em março para 21% em abril. É quase nada, mas é sinal de que o ritmo de concessão de empréstimos continua forte apesar do esforço do Banco Central de jogar água nessa fervura.

Na margem, o crédito caiu. Na análise dos quatro primeiros meses do ano o crescimento é de 4,1%, que anualizado estaria perto do que o Banco Central considera adequado: 13%. É baseado neste dado que o BC conclui que suas medidas de reduzir o nível de aquecimento estão dando certo.

Houve pequenas quedas no ritmo dos empréstimos para pessoa física e crédito pessoal, mas continua no nível acima de 20% de crescimento quando se compara com o mesmo mês do ano anterior. O financiamento para veículos que crescia a 46,5% na comparação anual agora cresce 44,2%. Aumentou ligeiramente o uso do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito. Houve pequenas altas também na inadimplência. Mas nenhum dos dados pode ser lido com sinal de alarme.

O curioso é que apesar de a queda do financiamento ser apenas na margem e de os salários estarem se mantendo, a indústria teve uma queda forte. Depois de subir 1,1% em março caiu 2,1% em abril, segundo os dados divulgados ontem. As projeções calculavam aumento em torno de 0,2%. Todas as categorias apresentaram queda, mas chamou atenção o tombo de 10,1% da produção de bens duráveis. A indústria cai pelo peso da concorrência com o produto importado no momento em que o dólar está baixo e porque o crescimento do começo do ano era em parte resultado da reposição de estoques. A queda divulgada ontem pela indústria pode levar a revisões para baixo nas projeções de crescimento do PIB deste ano.

¿A produção industrial de abril veio abaixo do esperado e indica que devemos ter um nível de atividade econômica mais fraco no segundo trimestre, com substancial risco de revisão para baixo de nossas projeções para o PIB do trimestre e consequentemente para o PIB do ano¿, afirmou em análise o HSBC, mas com a devida ressalva, logo em seguida, de que os números do mercado de trabalho e das vendas do varejo continuam muito fortes.

A entrada de Investimento Estrangeiro Direto (IED) no país de janeiro a abril chegou a US$23 bilhões e levou o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, a duvidar do número. Ele acha que o mercado financeiro pode estar encontrando formas de driblar os aumentos de IOF impostos pelo governo no capital especulativo. O IED, por ser capital para investimento de longo prazo, e não um dinheiro que vem se aproveitar da diferença de juros, não paga o IOF elevado pelo governo para 6%.

O economista Alex Agostini, da Austin Rating, registrou que o rendimento médio real dos trabalhadores caiu nos quatro primeiros meses do ano por causa do aumento da inflação, mas o rendimento médio nominal, ou seja, o rendimento bruto, está em alta. Isso faz, na visão dele, com que o trabalhador veja o seu contracheque mais gordo e se sinta seguro para pegar novos empréstimos.

A taxa do cheque especial subiu 0,24% ao mês entre dezembro e abril. O crédito pessoal ficou 0,34% mais caro e até mesmo os juros para aquisição de veículos ficou abaixo do ganho nominal dos salários: subiu 0,39% contra 0,41%.

O governo reduziu o ritmo de crescimento das despesas, mas elas continuaram aumentando em relação ao ano passado, que foi um período de alta espantosa dos gastos públicos. No ano passado o governo arrecadou muito mais por causa da retomada do crescimento. O melhor a fazer teria sido reduzir o ritmo de aumento de gastos para chegar em 2011 sem necessidade de ajustes. As autoridades preferiram arriscar, aumentar os gastos em níveis de 22,4% em termos nominais. Este ano os gastos do governo crescem menos, 3,4% em termos reais, ou seja, já descontada a inflação, mas ainda são mais altos do que no ano passado; não houve queda de gastos, mas apenas redução do ritmo de elevação.

Aí foram tomadas todas as medidas para tentar conter o ritmo no começo do ano até pela elevação da inflação. Eu tenho escrito isso aqui com uma frequência que já virou mantra que a taxa de inflação cairá em junho, julho e agosto. O fato não significa que todas as pressões inflacionárias estão anuladas. O país está em transição para um ritmo de crescimento menor, para um crédito um pouco mais apertado e para gastos públicos que se elevam em ritmo menor, para dessa forma evitar os riscos de elevação da inflação. No meio dessa transição, os números nossos de cada dia sairão assim: sempre com uma contradição. O importante é ler cada sinal para manter o crescimento, desde que seja com inflação sob controle.