Título: Brasil na contramão
Autor: Nogueira, Danielle; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 01/06/2011, Economia, p. 21

País deve manter programa que dobra fatia da energia nuclear na geração de eletricidade

Danielle Nogueira, Eliane Oliveira e Mônica Tavares

No momento em que vários países decidem rever seus programas nucleares ¿ anteontem, a Alemanha anunciou que vai desativar suas usinas até 2022 ¿, o Brasil toma a direção contrária e decide usar benefícios fiscais para estimular a ampliação de seu programa atômico.

Depois do acidente em Fukushima, no Japão, em março último, países como Suíça, Bélgica e China cancelaram ou suspenderam novas licenças para a construção de usinas. Enquanto isso, o Brasil está construindo Angra 3 e a Câmara dos Deputados aprovou, semana passada, medida provisória que concede incentivos fiscais para compra de equipamentos a serem usados na geração nuclear.

A MP 517 ainda será votada no Senado. Além disso, o governo Dilma Rousseff deve manter a estratégia de mais quatro usinas até 2030, como previsto no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, hoje em revisão. Ao lado de Angra 1, 2 e 3, as novas unidades dobrariam a fatia da fonte nuclear na geração de eletricidade, para 5%.

O avanço da participação nuclear na matriz elétrica, bem como a expansão do gás natural (de 2,6% em 2009 para 8%), se daria ao custo da retração da fatia da hidreletricidade, fonte limpa e barata (de 85% para 78%). A energia vinda da biomassa e dos ventos também sofreriam uma leve redução. Juntas, elas respondiam por 5,7% em 2009 e cairão a 5% em 2030. É justamente nestas duas fontes que o Brasil deveria investir para conter o avanço nuclear, diz José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

¿ A energia da biomassa e dos ventos deve ser mais bem aproveitada. Além disso, programas de eficiência energética devem ser implementados. Após o acidente da usina nuclear japonesa de Fukushima, os países discutem se mantêm ou não seus programas nucleares. Não é o momento de expandi-lo.

Rejeitos ainda não têm destino final

O diretor da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletronuclear, Luiz Pinguelli Rosa, engrossa o coro dos contrários à expansão do programa nuclear brasileiro. Para ele, não é apenas uma questão de segurança, mas também de preço. Nos seus cálculos, o custo da energia hidráulica está em cerca de R$78 o Megawatt-hora (Mw/h), considerando os projetos de Belo Monte (PA) e o complexo do Rio Madeira (RO). A tarifa da energia eólica e da gerada a partir do gás natural está em torno de R$150 o Mw/h e a da energia nuclear giraria em torno de R$250 o Mw/h, considerando o investimento em Angra 3, de R$9,9 bilhões.

¿ A energia nuclear não emite gases de efeito estufa, mas é cara no Brasil. Além disso, após Fukushima, outras diretrizes de segurança podem ser tomadas ¿ diz Pinguelli.

A subsecretária de Economia Verde do Estado do Rio e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Suzana Kahn, lembra a incerteza quanto ao destino dos rejeitos radioativos.

¿ Em estudos recentes, o IPCC indica que as fontes renováveis dão conta do aumento da demanda mundial de energia até 2050. Não concordo que a nuclear seja uma opção para já. E tem uma questão que não está equacionada: o lixo radioativo.

Não há no mundo depósitos definitivos para abrigar os resíduos de alta radioatividade.

Os partidários da energia nuclear dizem que o potencial hidrelétrico no Brasil estará esgotado em 2025 e que essa opção será necessária para a segurança energética. Lembram o caráter político da decisão alemã, uma vez que a coalizão verde e social-democrata já aprovara, há 11 anos, proposta que encerraria a era nuclear. A chanceler Angela Merkel resistia em seguir a determinação, mas voltou atrás para obter simpatia dos verdes.

¿ Não adianta o Brasil tomar uma decisão com viés emocional. O problema com Fukushima não foi a tecnologia nuclear, e sim um erro de projeto ¿ diz o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto.

Das quatro usinas que constam do PNE 2030, duas seriam no Nordeste e outras duas no Sudeste. A Eletronuclear já identificou 40 áreas onde as elas poderiam ser erguidas. Apenas quatro estados (AC, MS, RN e PR) ficaram de fora, segundo o assessor da presidência da estatal, Leonam Guimarães:

¿ A decisão alemã não muda a necessidade energética brasileira. Mas vamos esperar a revisão do PNE para saber em que áreas faremos estudos mais aprofundados.

Tudo indica que não haverá mudanças nas diretrizes na política energética brasileira. A área técnica do governo, porém, não descarta a possibilidade de haver algum impacto da decisão no Brasil, devido ao aumento de exigências em termos de custos com segurança daqui em diante. Em avaliação preliminar, o governo considera que a Alemanha está sendo movida por pressões políticas e que a decisão não será seguida por atores importantes, como os franceses, muito dependentes de energia nuclear.

¿ O mundo não vai acabar ¿ disse um alto funcionário.

Congresso: cautela com novas usinas

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura Filho considera que não haverá impacto nas usinas brasileiras. Ele explicou que a tecnologia de Angra 3 é a mais utilizada no mundo, a mesma de Angra 2, e lembrou que a decisão alemã era esperada. De fato, em almoço com o presidente da Alemanha, Christian Wulff mês passado, Dilma foi alertada para tal. Ela teria feito um apelo a Wulff para que seja mantido o crédito de exportação conferido pelo governo alemão à empresa francesa Areva, responsável por fornecer à Eletronuclear os equipamentos de Angra 3.

Deputados e senadores dos maiores partidos consideram que as obras de Angra 3 devem continuar. Mas defendem que novas usinas devem ser analisadas no Congresso e na academia. O vice-líder do PPS, deputado Arnaldo Jardim (SP), classificou a atitude da Alemanha de ¿demagógica¿. Já o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), defendeu a criação de uma comissão especial para tratar das atuais usinas. E o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), considera que o país tem que avaliar a necessidade das usinas nucleares:

¿ A MP 517 é para a conclusão de Angra 3, não interfere em outras usinas ¿ disse ele, relator da MP no Senado.

O PV, que é contra programas nucleares, está colhendo assinaturas para aprovar um plebiscito sobre a instalação de novas usinas no país.

COLABORARAM Emanuel Alencar e Isabel Braga