Título: Convivência com o câmbio valorizado
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Fonte: O Globo, 28/05/2011, Opinião, p. 6

Para garantir um ciclo de crescimento duradouro, sem pressões inflacionárias e outros desequilíbrios que possam comprometer essa trajetória de expansão, a economia brasileira precisa aumentar progressivamente os investimentos. A formação bruta de capital fixo é atualmente estimada em 19% do Produto Interno Bruto (PIB), e a maioria dos economistas considera necessário que o país caminhe para a faixa de 25%, a fim de manter uma média de evolução anual da produção na faixa de 5%.

Como a poupança interna é insuficiente para financiar todo esse esforço de investimento adicional, o país precisa da complementação de capitais estrangeiros. E tanto melhor que este capital venha sob a forma de novos projetos e parcerias, com um efeito multiplicador sobre atividades já existentes.

Por isso, criar entraves ao investimento direto estrangeiro equivaleria a um tiro no pé. O volume desses investimentos esperado para 2011 é superior a US$55 bilhões, patamar recorde que supera o espetacular resultado de 2010 (US$48 bilhões).

Este fluxo tem financiado, com confortável folga, o déficit em mercadorias e serviços (transações correntes) no balanço de pagamentos do país. A sobra de moeda estrangeira acaba valorizando o real de uma maneira que vem provocando angústias - e problemas concretos - em vários segmentos da indústria e de outros setores, especialmente os mais voltados à exportação e os que competem diretamente com importações.

O real valorizado também estimula a remessa de lucros e dividendos, além de ser um atrativo para que turistas brasileiros gastem mais em viagens ao exterior, deslocando para fora do país uma demanda que, em tese, poderia ser canalizada para o mercado doméstico.

A valorização das moedas é um fenômeno comum às economias emergentes que seguem uma trajetória semelhante à brasileira - a China é exceção, pelo seu sistema de governo que mantém ainda sob o controle do Estado grande parte das operações financeiras que envolvem sua moeda -, o que tem provocado uma discussão sobre a validade ou não de se estabelecerem controles para fluxos de capitais estrangeiros.

A convite do Brasil, o Fundo Monetário Internacional promoveu esta semana no Rio seminário em torno do tema. Foi um bom momento de reflexão, mas não a ponto de surgirem soluções mágicas no debate. Pois elas não existem.

Essa reflexão vem reforçar a posição brasileira de não criar barreiras ao investimento direto de longo prazo, mas sem deixar de desencorajar, via tributação, a entrada de capitais de curto prazo que buscam oportunidades especulativas, em transações meramente financeiras.

Nesse contexto, a valorização do real é um fenômeno quase inevitável e que tende a perdurar, mesmo que as autoridades ajam para reduzir a volatilidade indesejável no câmbio. É uma realidade perante a qual todos os agentes econômicos terão de encontrar uma maneira de conviver. E a mais saudável maneira de minimizar os efeitos do câmbio valorizado é com iniciativas que reduzam o chamado custo Brasil e proporcionem ganhos gerais de produtividade.