Título: Sensores falharam por menos de 60 segundos
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 28/05/2011, Rio, p. 20

A TRAGÉDIA DO VOO 447

PARIS. Um documento divulgado ontem pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA), órgão francês que investiga a queda do voo 447 da Air France, faz pelo menos três revelações. O avião caiu sem parar durante três minutos e 30 segundos; os sensores de velocidade (os pitots), apontados como um dos fatores que contribuíram para o acidente, funcionaram na maior parte desse tempo; e os motores permaneceram ligados, respondendo aos comandos da tripulação até o fim. Na tragédia, ocorrida em 31 de maio de 2009, 228 pessoas morreram.

Mesmo após a abertura das duas caixas-pretas, o mistério permanece: por que os pilotos não conseguiram controlar o avião? Por que decidiram empinar o aparelho (elevando o nariz) quando deveriam ter feito o contrário? Jean-Paul Troadec, diretor do BEA, não confirma, mas também não descarta um erro da tripulação.

- Não podemos responder a essa pergunta hoje (sobre erro de pilotagem). Ainda não entendemos as razões das ações dos pilotos. Vai ser o nosso trabalho nas próximas semanas.

Segundo Troadec, mesmo com indicações erradas de velocidade, os pilotos poderiam ter agido de outra forma.

- Quando se perde a indicação de velocidade, a regra normalmente é pilotar com atitude, de forma a que o avião esteja mais ou menos inclinado para cima ou para baixo. Sim, eles (os pilotos) poderiam ter reagido de outra forma. Não sabemos por que eles empinaram o avião, fazendo subir a aeronave. Ainda há muita coisa a explicar.

A divulgação ontem do histórico do voo extraído das caixas-pretas mostra que, a partir do momento em que o piloto automático parou bruscamente de funcionar, o drama na cabine de pilotagem durou quatro minutos e 23 segundos. Às 2h08m, o Airbus A-330 desvia ligeiramente de sua rota para a esquerda, para evitar uma aglomeração de nuvens. A velocidade do avião é reduzida. Dois minutos depois, o piloto automático se desliga, por causa da incoerência das informações de velocidade enviadas pelas sondas (elas teriam congelado). Troadec diz que esta foi uma das surpresas: os pitots deixaram de funcionar por menos de um minuto:

- Isso não sabíamos. Pensávamos que a duração da falha tivesse sido muito maior.

Às 2h10m, o alarme de perda de sustentação soou duas vezes na cabine. O piloto disse: "perdemos as velocidades". Às 2h10m51s, o piloto mantém a ordem de empinar (elevar o nariz do avião) e chama várias vezes o comandante do avião, que está repousando. O comandante volta à cabine um minuto e 30 segundos depois e, de acordo com Troadec, permanece atrás dos pilotos até o final, "tentando com eles analisar a situação".

Em poucos segundos, "todas as velocidades registradas se tornam inválidas e o alarme de perda de sustentação para de soar", descreve o documento do BEA. O avião está incontrolável, sobe até 38 mil pés, até perder totalmente a altitude. Às 2h12m02s, um piloto disse:

- Eu não tenho mais qualquer indicação válida.

Segundo o jornal "Le Monde", um dos pilotos teria dito:

- Eu já não compreendo mais nada.

Quinze segundos depois, o piloto faz "ações de pique". Nos instantes que se seguem, segundo o BEA, "as velocidades tornam-se novamente válidas, e o alarme de perda é reativado". Às 2h13m32s, os pilotos fazem várias ações. Um deles diz: "vamos lá, você tem os comandos".

Para Troadec, o congelamento dos pitots foi um dos elementos, "mas não explica o acidente". O BEA analisou dez casos similares com sondas pitot e em todos eles "os incidentes foram superados em alguns minutos, no mais tardar, e o avião retomou o voo normalmente".