Título: Para além da classe C
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 28/05/2011, Economia, p. 31
Só se fala na expansão da classe C - e não à toa. Os mais de 20 milhões de brasileiros que passaram a fazer parte da nova classe média entraram de vez para a sociedade de consumo e, nos últimos anos, abocanharam parte dos produtos que tinham sido elaborados, originalmente, para as classes A e B. Ganho de renda, mercado de trabalho aquecido e crédito farto e fácil explicam o feito. Agora, a indústria volta a olhar para as classes A e B - que detêm 65,4% do potencial de consumo projetado pelo IPC Maps para esse ano - e a lançar novidades ou a dar nova roupagem a produtos já conhecidos.
- De um lado, o país tem uma classe C forte cujo consumo também se baseia no quesito preço. Do outro, a classe AB, que é menos afetada por preço e busca inovação. É este último grupo que tem, naturalmente, mais dinheiro. Faz todo o sentido a indústria intensificar seu olhar para o segmento - disse Marcos Pazzini, diretor da IPC Marketing Editora e responsável pelo estudo, acrescentando que, contudo, a classe C concentra o maior contingente de domicílios urbanos (mais de 24 milhões ou 49,3% dos lares), respondendo por 29,6% de tudo que será consumido em 2011.
Tendo como garoto propaganda de seu novo papel higiênico o ator Reynaldo Gianecchini, a Kimberly-Clark Brasil está lançando o Neve Supreme de folha tripla - a versão anterior tem folha dupla e passou a estar presente também nas casas das famílias de classe C. Com uma embalagem sofisticada, em preto e dourado, os preços sugeridos são R$4,99 (quatro rolos de 20 metros), R$9,98 (oito rolos) e R$14,97 (12 rolos).
- Outro produto que pretende atender a classe B é a fralda Soft Touch Max, que entrará no lugar da Soft Touch e é como se fosse uma roupa para o bebê. Com essa nova linha, a classe C tende a migrar para a fralda de Tripla Proteção, que fica no meio do caminho - disse Ana Paula Bogus, diretora da Kimberly-Clark, acrescentando que mais de 35% do faturamento de algumas categorias desse ano são para atrair a classe média já estabelecida.
Na Hypermarcas, uma série de produtos foi reformulada recentemente e, então, relançada com maior sofisticação. Entre eles, o adoçante Finn Sucralose, produzido a partir do derivado da cana-de-açúcar. No mundo da beleza, a Avon trouxe novidades para as classe A e B, como batons feitos com ouro (lançado em fins de janeiro) e cremes antienvelhecimento (em maio). Mesmo em empresas de menor porte, como a Kanitz, o público AB é um alvo. Após lançar em abril quatro hidratantes da linha Body Pleasure, a companhia lançará em breve colônias. A leva de novos produtos tem a ver com a segmentação do consumo, acredita Armando Strozenberg, vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap).
- Antes os produtos para o Brasil eram divididos em dois grupos: o de cima e o de baixo da pirâmide social. Agora, já não há apenas dois, mas quatro. E, quando as indústrias oferecem um produto com esse "a mais", é uma maneira de marcar um território, no caso para os que têm uma renda maior.
Segundo Gabriela Onofre, diretora de da P&G Brasil, o maior número de produtos importados premium no país indica uma preocupação crescente com as classe A e B - e não somente com a classe C.
Avanço também na classe média
Um exemplo: a fralda Pampers passou a ser comprada pela classe C. Essa migração abriu espaço para uma nova versão, a Dia e Noite, com mais qualidade. Outro caso é a vinda dos Estados Unidos do Prestobarba Gillette Mach 3 (preço sugerido: R$15), que passou a ser produzido no país em janeiro deste ano, além da entrada este ano do creme dental Oral B Pro Whitening.
- O que acontece quando o mercado inteiro está com dinheiro no bolso? Os brasileiros querem experimentar novos produtos. A classe C, em muitos casos, está descobrindo o que já está no mercado. E as classe A e B querem inovação. Até pouco tempo, meu produto mais caro Gillette era R$15. Hoje, temos uma opção por R$45 e não consigo suprir a demanda.
Aos poucos, uma mobilidade social começa a se desenhar na pirâmide social brasileira. Antes limitada à ascensão da massa trabalhadora para baixa classe média, esse movimento começa a se dirigir para a média classe média. Estudo do professor da Unicamp Waldir Quadros mostrou a escalada, tomando por base a fatia da renta total que fica com cada classe. Assim, de 2003 a 2009 (o estudo se baseia na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios feita naquele ano), a alta classe média, que absorvia 31,3% da renda em 2003, passou a abocanhar 30,2%. Enquanto isso, a média classe média saiu de 27,3% para 30%. Na baixa classe média, essa parcela subiu 22,8% para 25%.
- Mas concentração no Brasil continua muito grande. É uma mobilidade dentro de uma estrutura social muito desigual. A mobilidade mais acentuada ainda é da massa trabalhadora para a baixa classe média - explica ele.
Nesses seis anos, 35,5 milhões de pessoas mudaram de classe no Brasil, segundo Quadros. A alta classe média recebeu 4,3% do total. A média ganhou mais 25% e a baixa classe média, 42,8%. Já a parcela de miseráveis perdeu 12,7 milhões de pessoas.
- Mas a alta classe média levou mais da renda, refletindo a desigualdade.
COLABOROU: Cássia Almeida