Título: Calculistas e apavorados
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2009, Política, p. 4

É intrigante que na CPI da Petrobras o governismo tenha optado fria e calculadamente por uma investigação controlada, enquanto no Conselho de Ética não consegue disfarçar o pavor

Será que na Coreia do Sul ou em Taiwan trocar sopapos em plenário é quebra de decoro parlamentar? Pelas brigas feias que a gente vê ali, talvez não. Ou então estariam todos cassados. Mas talvez eu esteja errado, pois se todo mundo sai no braço, ninguém tem moral para cassar ninguém. Ainda que haja norma proibindo sopapos entre suas excelências. Isso lembra algo?

Decoro parlamentar é coisa relativa. Desconfio que existe só para dar base legal a punições políticas. O que é mais grave, o sujeito xingar o outro no plenário ou levar a família a Paris usando a verba de passagens, teoricamente reservada para atividade política? Eu voto na segunda opção. Mas ninguém propôs arrastar à guilhotina os mandatos da turma que saiu por aí com a parentada, à custa do contribuinte. Ainda bem, pois seria uma carnificina. Mais ou menos como degolar os briguentos em Seul e Taipé.

Se eu pudesse escolher, preferiria um Congresso Nacional com menos salamaleques. E mais controles. É impossível um deputado ou senador entrar no plenário sem gravata. Mas se o sujeito tiver o apoio da maioria ele pode, por exemplo, deixar de divulgar medidas administrativas que talvez pegassem mal. Eu proponho uma inversão. Fica abolida a gravata e, se algum ato não for publicado num certo prazo, o presidente e o primeiro-secretário da Casa perdem automaticamente os cargos, além de sofrerem processo de cassação.

Claro que ninguém perderia cargo nenhum, nem seria cassado por isso, pois os comandantes do Legislativo destacariam exércitos de funcionários de confiança para garantir a publicação de seus atos. E não é que eu acabo de chegar a uma proposta prática para o senador José Sarney (PMDB-AP)? Implante essa regra já, presidente, definindo que ato secreto (não publicado num certo prazo) é quebra de decoro. Independentemente do desfecho dessa confusão, estará firmada uma norma para adiante.

E quando disserem que a crise dos atos secretos acabou em pizza, vossa excelência demonstrará que não, pois ela terá servido pelo menos para fechar uma brecha, uma rachadura no estado de direito democrático. Não cansarei de repetir. Ato secreto é um atentado grave à democracia, pois, se o cidadão não fica sabendo o que o Estado faz, não tem como se defender de eventuais ilegalidades e abusos dos poderosos.

De volta ao decoro. Baixarias no Parlamento são reprováveis. Mas o escandaloso nesta crise em particular é achar que ela vai morrer espontaneamente, só porque os aliados do presidente do Senado têm a maioria no Conselho de Ética e no plenário. Ou porque ameaçam cassar o mandato de líderes da oposição. E se cassarem mesmo? E se calarem a oposição na base da ameaça? E daí? A crise voltará logo adiante, com virulência multiplicada.

O presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDB-RJ), mandou arquivar todas as acusações contra Sarney. É um direito que o cargo dá ao senador fluminense. Há, porém, um caso pelo menos em que as acusações estão documentadas, e que, portanto, mereceria o exame mais detalhado no colegiado. São precisamente os atos secretos. A documentação foi, aliás, fornecida pelo próprio Sarney, ao projetar em plenário uma tabela com a distribuição deles ao longo dos anos.

Será razoável que o conselho aprecie esse documento, a tabela, que nada tem a ver com ¿recortes de jornais¿. Poder-se-ia, por exemplo, ouvir o ex-diretor-geral, nem que seja só para ele repetir ¿ mas agora em público ¿ que nunca mandou ninguém deixar de publicar nada. O que traria a necessidade de ouvir também o diretor então responsável pela gráfica, para ele explicar o porquê da não publicação.

Coisa simples, banal. Tão simples e tão banal que chega a ser intrigante o pavor desencadeado pela mera hipótese de investigar os atos secretos. Num cenário bem mais complexo e arriscado, a CPI da Petrobras, a base do governo vai bem, com o líder Romero Jucá (PMDB-RR) nos controles. Usando a maioria para dizer o que pode e o que não pode ser feito. Jogando o jogo, com as cartas na mão, mas sem truculência explícita.

A mesma base, no mesmo Senado e com os mesmos personagens. Mas com dois pesos e duas medidas. Alguém anda nervoso demais, jogando muita água para fora da bacia.