Título: No assentamento, êxodo e medo
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 01/06/2011, O País, p. 3

Sem proteção, moradores ligados a casal executado abandonam casas

MARABÁ E NOVA IPIXUNA (PA). Uma semana após a execução dos ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, o aparato estatal mobilizado pelos governos federal e do Pará com o objetivo de pacificar a região não foi suficiente para garantir tranquilidade às 500 famílias do assentamento Praialta-Piranheiras. Sem proteção policial permanente, parte dos moradores, mais ligados ao casal, abandonou suas casas sem data para voltar. Quem ficou evita sair de casa ou falar sobre a permanente tensão entre a população extrativista e madeireiros. Só ontem a escola local voltou a funcionar, mas duas professoras foram embora, com medo de represálias. As ruas ficam a maior parte do dia desertas, e não se vê nem o habitual movimento de caminhões, que levam e trazem toras retiradas ilegalmente da mata.

Criado em 1997 por agricultores, entre eles José Cláudio e Maria, o assentamento é destinado à exploração de produtos da floresta, sem sua devastação. Os 22 mil hectares são hoje um oásis em meio a uma imensidão de áreas já desmatadas. É só o que se vê no caminho tortuoso de quase três horas, entre Marabá e o Praialtas. Só chegando lá se avistam as enormes castanheiras, símbolos do Pará e fonte de sustento e cobiça. Para lideranças locais, sem proteção, o projeto está em risco. Não é certo que outras pessoas estarão dispostas a se arriscar para defender a mata.

- Depois do que aconteceu, acho difícil alguém querer tomar a frente. A morte dos dois deixou todo mundo com medo - resume o agricultor Luiz dos Santos Monteiro, de 42 anos, cunhado de José Cláudio, que ontem foi ao local buscar seus pertences e os filhos: - Não voltamos enquanto não tiver proteção aqui. Estão nos matando como cachorros.

Luiz diz que está na hora de o governo federal assumir a defesa da população e do lugar, já que, historicamente, os apelos aos órgãos de fiscalização nunca adiantaram, cabendo à população se virar sozinha:

- Tinha de ter Exército aqui o tempo inteiro. Não para proteger só a gente, mas a floresta.

Outras quatro famílias ligadas ao casal assassinado foram embora e estão na expectativa de que o governo do Pará alugue casa para que vivam em Marabá.

- É suicídio ficar aqui. Minha mãe morava com várias crianças no assentamento. A casa da minha irmã é a três quilômetros dali. Como é que ela pode ficar nesta situação? Está apavorada, não quer voltar nunca mais - relata a irmã de José Cláudio, Claudelice Silva dos Santos, de 29 anos.

Desde o assassinato, a polícia tem feito diligências ao assentamento, mas sem presença permanente. Antes disso, segundo a dona de casa Dalvilene Barbosa Soares, de 31, vizinha do casal assassinado, raramente aparecia:

- Precisamos viver em segurança. Mas, por estes lados, polícia sempre foi bem pouco.

Para alguns moradores, o dilema é sair, deixando tudo para trás. Quem fica, tem medo de se engajar na luta contra a devastação.

- Eu me juntei com o Zé Cláudio e a dona Maria para fotografar caminhão de madeireira. Agora, não tenho mais coragem. Não quero pistoleiro me esperando no caminho - desabafa um vizinho, que não quis se identificar.

Restou na comunidade um amontoado de faixas penduradas no barracão onde o casal assassinado se reunia com assentados. Um cartaz pregado na parede perguntava ontem: "Autoridades, quem será o próximo?"