Título: Marina candidata
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2009, Política, p. 6

A possível candidatura de Marina Silva começa bem, portanto, ao simbolizar a não aceitação do figurino bipolar. Se nossa legislação possui o mecanismo dos dois turnos, por que razão deveríamos evitar que tivéssemos, nas eleições de 2010, uma ampla e rica multiplicidade de opções?

Sem contar as coisas aborrecidas e desagradáveis que parece que não acabam nunca, a semana política terminou com uma notícia inesperada: a senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, foi convidada a se filiar ao Partido Verde e a se candidatar por ele à presidência em 2010. Pelo que ela tem dito, tudo indica que as chances de as duas hipóteses acontecerem são grandes.

A possibilidade de Marina vir a ser candidata é uma coisa boa. Sem discutir se é ou não viável, o simples fato que exista deve ser comemorado. É o primeiro gesto real de inconformismo com o desenho bipartidário que, faz tempo, está sendo imposto às eleições de 2010.

Desde quando foi deflagrada a sucessão, seus grandes protagonistas, Lula em primeiríssimo lugar, procuram fazer com que ela aconteça em um cenário de bipolaridade radicalizada. Se depender dele, a próxima eleição será, já no primeiro turno, um plebiscito sobre seus oito anos. Nela, só haverá lugar para dois tipos de voto: o voto sim (de quem aprova seu governo e quer sua continuidade) e o voto não (de quem o desaprova e quer mudanças). Como calcula que os primeiros superam os segundos, se a eleição for essa, ele conta ganhá-la.

Para aumentar a probabilidade de que isso aconteça, duas precondições são necessárias. De um lado, que o governo tenha um só candidato, garantindo-se que a defesa da continuidade não seja diluída em mais de uma candidatura. Lula trabalha intensamente por isso, como se pode ver no caso Ciro Gomes, que está sendo convencido a se retirar da disputa presidencial com a miragem do governo de São Paulo. De outro, que as oposições tenham também um só rosto, para que a descontinuidade fique inteiramente identificada.

Como principal partido oposicionista e o único a ter bases sólidas nos dois maiores colégios eleitorais, ao PSDB a bipolarização não assusta. Ao contrário, para os tucanos, é bom que façamos mais uma eleição em que eles desempenham o papel de polo, assim tornando menos provável que outras (e novas) forças políticas venham a ocupar esse lugar no futuro.

O Brasil, no entanto, nunca foi, não é e dificilmente será um país bipartidário. Nem quando os militares o impuseram o modelo funcionou. A bipolaridade que Lula e, por reflexo, parte das oposições querem implantar é artificial, nada tem a ver com nossa história política, nosso sistema partidário e nossa cultura eleitoral.

A possível candidatura de Marina Silva começa bem, portanto, ao simbolizar a não aceitação do figurino bipolar. Se nossa legislação possui o mecanismo dos dois turnos, por que razão deveríamos evitar que tivéssemos, nas eleições de 2010, uma ampla e rica multiplicidade de opções? Apenas porque o presidente prefere que Dilma não corra qualquer risco?

É uma candidatura viável? Certamente que sim. Marina Silva reúne atributos políticos e pessoais plenamente suficientes. Tem boa biografia, experiência de governo e imagem. Não faria papel menor na eleição.

Vai longe? Essa é uma questão difícil de responder enquanto nenhuma pesquisa confiável com seu nome for feita. Mas temos um caso recente que pode nos ajudar a estimar seu potencial.

Basta considerar o que aconteceu na eleição passada com alguém que compartilha muitas características com ela: ambos senadores, ex-ministros de Lula, à frente de áreas sociais relevantes, os dois pessoas de alta reputação, com imagem de bons gestores. Marina Silva e Cristovam Buarque se parecem em muitas coisas. Entre as diferenças, fora o óbvio e pouco significativo atributo de gênero, o fato de ele ter sido governador (bem avaliado) do Distrito Federal, o que conta (em favor dele) para a maioria dos eleitores.

Os 2,4% dos votos obtidos por Cristovam em 2006 não são um julgamento de sua trajetória nem um atestado da importância secundária do tema ao qual ele estava associado. Educação, mais até que meio ambiente, é uma prioridade nacional indiscutível.

O que aconteceu, então, com ele? O que pode acontecer com Marina? Nos dois casos, duas dificuldades comuns. A primeira, convencer uma parcela relevante do eleitorado que uma candidatura quase simbólica teria condições de governar. A segunda, livrar-se da imagem de candidatura monotemática, que só cuida de uma coisa, por mais importante que seja.

Os eleitores não votam em quem lhes parece ser assim.