Título: Um Brasil sem miséria é mesmo possível
Autor:
Fonte: O Globo, 04/06/2011, Opinião, p. 6

O Brasil já alcançou um patamar de desenvolvimento capaz de proporcionar vida digna a todos os seus cidadãos. Embora, na média, as estatísticas apresentem indicadores já satisfatórios, ainda se pode observar na base da sociedade situações de extrema pobreza. Segundo o censo do IBGE, cerca de 16 milhões de brasileiros estariam nessas condições, a maior parte em áreas rurais do Norte e Nordeste, mas também em zonas urbanas das demais regiões.

Trata-se, então, de um problema nacional, o que justifica a adoção de políticas públicas sob responsabilidade do governo federal na busca de soluções.

O governo Dilma acaba de anunciar o programa Brasil Sem Miséria com o objetivo de erradicá-la em um prazo relativamente curto. É uma meta ambiciosa, mas factível, diante da experiência acumulada nesse campo e dos instrumentos que o país possui para mudar esse quadro.

A tendência é que a economia brasileira continue a crescer nos próximos anos em ritmo suficiente para gerar milhões de oportunidades. O grande desafio será abrir caminhos para que todos, incluindo os extremamente pobres, consigam aproveitá-las. Nesse sentido, o programa agora lançado pelo governo representa um avanço em relação aos anteriores porque os gestores das políticas públicas saberão onde devem bater à porta, via cruzamento dos dados do IBGE com o cadastro do Bolsa Família. Assistentes sociais terão essa função e com isso será possível identificar, em tempo hábil, o que não funciona.

Chega, então, a ser surpreendente que o governo não tenha enfatizado o papel que o planejamento familiar pode desempenhar nesse esforço para tirar milhões de brasileiros da miséria e da extrema pobreza.A média, mais uma vez, esconde o fato de que a taxa de fertilidade ainda corresponde a algumas vezes os índices dos demais segmentos da sociedade. Essa discrepância, sem dúvida, é um dos fatores que impulsionam o círculo vicioso. Mesmo nos bolsões de pobreza das regiões metropolitanas do Sudeste é possível encontrar beneficiários do Bolsa Família com prole numerosa e incompatível com o nível de renda até mesmo já alcançado por pessoas que estão no classe C.

Evidentemente que é uma falha de políticas públicas porque essas pessoas extremamente pobres não chegariam a ter proles tão numerosas se tivessem contado com alguma orientação e acesso aos métodos contraceptivos.

Se o governo ignorar essa realidade - retratada pelos fatos e não por uma visão preconceituosa contra os mais pobres -, o Brasil Sem Miséria esbarrará num grande obstáculo, que comprometerá seus objetivos. No entanto, como salientou a ministra do Desenvolvimento Social, Teresa Campello, o programa tende a ser aperfeiçoado durante sua execução, e espera-se que os assistentes sociais deem esse retorno ao se defrontarem com o drama das famílias com muitos filhos e que, por isso mesmo, não conseguem sair da miséria.

Programas sociais de tal magnitude estão sempre sujeitos à exploração politico-partidária e podem engessar bilhões de reais no Orçamento, se não houver "portas de saída" para os beneficiários, problema que pelo menos já sensibiliza o governo. Mas a pobreza e a miséria têm mesmo de ser atacadas. Com os devidos cuidados.