Título: Mais um acampado é morto em emboscada
Autor: Fabrini, Fábio; Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 03/06/2011, O País, p. 12

IMPASSE NO CAMPO

Marcos Gomes da Silva, de Eldorado do Carajás, foi assassinado quando era levado para hospital, já baleado

MARABÁ (PA) e BRASÍLIA. Em meio à onda de assassinatos na Amazônia, mais um agricultor foi morto ontem no Pará. Em Eldorado do Carajás, no sudeste do estado, cidade-palco do massacre que vitimou 19 sem-terra em 1996, foi assassinado Marcos Gomes da Silva, de 33 anos, morador do acampamento Nova Sapucaia, em processo de regularização pelo Incra. Ele foi executado a tiros numa emboscada armada numa estrada vicinal.

A Polícia Civil descartou a ligação com conflitos agrários, mas a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha casos de violência no campo, argumenta que é cedo para conclusões.

Mulher de vítima testemunhou execução

Marcos trabalhava na construção de uma ponte perto de sua casa quando, por volta das 16h de quarta-feira, foi abordado por dois homens e baleado na barriga. Ele caiu num riacho, conseguiu se esconder no mato e esperou que a dupla fosse embora para pedir socorro a um vizinho. Somente por volta das 21h, os acampados conseguiram uma picape para levá-lo à sede de Eldorado do Carajás - segundo o depoimento de testemunhas, não havia telefone em condições de uso no local. Os criminosos, encapuzados, fincaram uma estaca na estrada, obrigando o motorista do veículo a parar no caminho. Marcos foi retirado à força e morto diante da sua mulher e de mais três pessoas.

- Quando já iam tirando ele, deram um tiro e depois outro tiro. O rapaz do carro pediu: "Não façam isso!". Mas eles mandaram a gente voltar com o carro - contou o coordenador do acampamento, Dejesus Martins Araújo.

Marcos foi deixado no local. Somente na manhã seguinte, os acampados seguiram para Eldorado do Carajás e acionaram a polícia. Não há caminhos alternativos para a sede do município. O corpo foi encontrado na mata por volta das 8h, com a orelha esquerda arrancada e quase degolado.

- A gente fica chocado. Nunca recebemos ameaça no acampamento. Os vizinhos que são encostados em nós são todos amigos. A terra tem um antigo proprietário, mas ele não fez reivindicação - disse Martins.

O superintendente da Polícia Civil em Marabá, Alberto Teixeira, informou ontem que, a partir dos depoimentos colhidos, não é possível associar o crime a conflitos agrários. Segundo ele, Marcos não tinha inimigos, não fora vítima de intimidação e, desde que chegou a Eldorado, ninguém havia reclamado o terreno que ocupava. Entre a primeira e a segunda emboscada, explicou o delegado, não relatou nenhuma desavença ou informação que favorecesse a identificação dos criminosos. Há a possibilidade de que alguém tenha avisado o momento em que o agricultor seria levado a Eldorado do Carajás.

- Pelos fatos, se ele tivesse algum problema, teríamos a informação. Vamos agora verificar a vida pregressa dele: se tinha passagem com a polícia, pendência da Justiça, demanda trabalhista - adiantou o delegado, acrescentando que, em caso de conflito agrário, seria mais provável que o coordenador do acampamento fosse abatido.

Marcos era maranhense e morava só com a mulher, Maria Francisca, em Nova Sapucaia, um acampamento ligado à Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Pará (Fetagri-PA). Ele não tinha nenhuma função de liderança no local.

O advogado da Pastoral da Terra em Marabá, José Batista Afonso, disse que o delegado está se precipitando:

- A Polícia Civil tem mania de concluir antes de investigar. Não estamos dizendo o que foi, mas há, sim, a possibilidade de um conflito por terra ter motivado o crime. O acampamento se formou numa área de assentamento, já regularizada, cujas terras, aos poucos, foram se concentrando nas mãos de médios proprietários. Essas famílias, então, ocuparam o local.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário não se pronunciou sobre o caso. A Polícia Federal informou que, por ora, não recebeu nenhuma determinação do Ministério da Justiça para que participe da investigação.

Eldorado do Carajás fica na mesma região de Nova Ipixuna, onde o casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foi morto em 24 de maio. Nas últimas semanas, quatro ativistas foram assassinados na Amazônia. O governo reconheceu, na terça-feira, não ter condições de garantir a segurança de todos os líderes que correm risco.

* Enviado especial