Título: Palocci precisa avançar nas explicações
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Fonte: O Globo, 05/06/2011, Opinião, p. 6

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, levou mais de duas semanas para, afinal, defender-se, de forma pública, das suspeitas de que, nos quatro anos em que exerceu o mandato de deputado federal, sem excluir o período eleitoral de 2010, praticou lobby, advocacia administrativa ou tráfico de influência para grandes empresas, em troca de R$20 milhões.

Palocci, assim, multiplicou por 20 o patrimônio pessoal nestes quatro anos. E metade do faturamento da empresa de consultoria do ministro, a Projeto, passou a constar dos livros de contabilidade da firma em novembro e dezembro do ano passado, quando o deputado já era considerado pessoa-chave na equipe do governo eleito de Dilma Rousseff.

Das duas reportagens da "Folha de S.Paulo" sobre o trabalho de consultor de Palocci constaram informações sobre a compra de um apartamento e de um escritório de alto padrão, localizados em pontos valorizados da cidade de São Paulo.

Sexta, Palocci, em entrevista ao "Jornal Nacional", negou, com firmeza, que tivesse praticado tráfico de influência a favor dos clientes - mas não revelou os nomes deles. Afirmou, ainda, que o alto faturamento em novembro e dezembro, com Dilma já vitoriosa, se deveu à decisão dele de, antes de assumir o ministério, suspender todos os contratos da Projeto - informação que já circulara na imprensa. Por isso, os clientes anteciparam pagamentos por serviços já prestados. Afastou, assim, a ideia de que atuara como consultor entre o fim da eleição e a posse do governo. Bem como rejeitou as especulações sobre a existência de possíveis recursos de campanha embutidos no faturamento da sua empresa.

Antonio Palocci garantiu estar tudo em ordem, do ponto de vista legal, com a Projeto. Os contratos existem, encontram-se devidamente registrados. Os pagamentos, inscritos nos livros e com os respectivos impostos recolhidos. O ministro garante estar em dia com todos os órgãos públicos, em qualquer instância da administração.

Se fosse uma pessoa comum, não haveria qualquer problema. Mas Palocci não é uma pessoa comum. Na entrevista, o ministro procurou afastar qualquer possibilidade de seu problema contaminar o governo. Nem mesmo quando lhe foi citado o caso da tentativa de chantagem do deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), de usar as denúncias contra ele para obter apoio do governo a uma emenda constitucional delirante (piso nacional para policiais e bombeiros).

Entende-se o cuidado de Palocci com o assunto. Mas é visível que, ao se vulnerabilizar, como peça essencial no governo, sua fragilização contaminou o Palácio diante de uma base parlamentar com interesses difusos e irreversivelmente contaminada pela cultura do fisiologismo, incentivada pelo próprio grupo no poder há oito anos.

A decisão de Palocci de falar no "JN" serviu para passar a imagem de alguém convicto da inocência. Mas, por não ter avançado nas explicações, com informações substantivas, continua a nuvem de dúvidas sobre a atuação do ministro como consultor. A entrevista levada ao ar na sexta à noite tem de ser apenas um início.