Título: Peruanos têm escolha difícil nas urnas
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Fonte: O Globo, 05/06/2011, Opinião, p. 6

Não há favoritos entre o candidato nacionalista Ollanta Humala, que faz 50 anos este mês, e a filha do ex-presidente Alberto Fujimori, Keiko, de 36 recém-completados. Os peruanos têm uma difícil escolha nas urnas hoje, entre os vencedores do primeiro turno das eleições presidenciais.

Nenhum dos dois exibe as credenciais democráticas ideais para prevenir sustos no aperfeiçoamento institucional do país, que precisa manter o admirável crescimento econômico dos últimos dois governos, de Alejandro Toledo e Alan García, e, ao mesmo tempo, fazer esse progresso chegar aos mais pobres, cerca de 30% da população. Nos últimos dez anos, o Peru avançou 23 posições no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e está hoje em 63º lugar, dez à frente do Brasil.

Depois do furacão Fujimori, o Peru teve um governo de corte mais técnico, com Toledo, e outro de um político tradicional, García. Tanto Keiko quanto Humala são populistas, a primeira mais à direita do espectro político, o segundo mais à esquerda. O militar da reserva levou a melhor no primeiro turno, seguido da filha de Fujimori, porque os votos de centro se dividiram entre as candidaturas de Toledo, Pedro Pablo Kuczinski e Luis Castañeda.

Com as opções restritas aos dois vencedores, criou-se uma situação em que a metade do país que apoia um execra o outro. Humala fez enorme esforço - com a ajuda de marqueteiros do PT - para mudar sua imagem de discípulo de Hugo Chávez - como se apresentou nas eleições de 2006, quando perdeu para Alan García - para seguidor de Lula, mais moderado, mais moderno. O tenente-coronel da reserva tem reiterado que respeitará a Constituição e o modelo econômico de mercado bem-sucedido dos últimos anos, mas eleitores conservadores, empresários e investidores não esquecem que ele é defensor de um Estado intervencionista, prega a nacionalização de setores estratégicos da economia e compartilha dos planos chavistas (e lulopetistas) do "controle social da mídia" - leia-se, atropelar a liberdade de expressão.

Humala tem o apoio de grande parte dos jovens de 15 a 29 anos e da intelectualidade do país, à frente o escritor Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa - que repudiam uma possível volta ao passado com Keiko, cuja experiência política se resume ao fato de ter sido primeira-dama após o divórcio entre Fujimori e sua mãe e ao atual cargo de deputada. Muitos temem também que a filha mais velha do ex-presidente o indulte - ele cumpre pena de 25 anos de prisão por crimes contra a Humanidade durante seus dois mandatos, entre 1990 e 2000, quando deu um golpe e tornou-se ditador. Keiko nega.

Ela tem o apoio dos setores mais pobres da população, saudosos dos programas assistencialistas do pai, e das classes mais altas, temerosos do nacionalismo de Humala. Os eleitores peruanos podem não estar no melhor dos mundos, mas a escolha que enfrentam é democrática. Caberá ao vencedor respeitá-la e honrá-la. Se ganhar, Keiko deverá provar que os tempos da ditadura do pai são mesmo História. Se o vencedor for Humala, precisará mostrar que não pretende usar os instrumentos da democracia para destruí-la, como defende e põe em prática Hugo Chávez.