Título: Não precisamos de pirotecnia para ter educação de qualidade
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 05/06/2011, O País, p. 12
Especialista que visitou escolas pelo país viajando no avião do "Jornal Nacional" diz que não é o aumento do percentual do PIB para o setor que vai melhorar o aprendizado
GUSTAVO IOSCHPE: "O investimento em educação tem aumentado, e a qualidade, não. A defasagem do Brasil, com relação aos EUA, é de 60 anos"
Gustavo Ioschpe, de 33 anos, diz que não é masoquista, mas escolheu a "batalha pela educação brasileira" por crer que uma reforma com melhora da qualidade só ocorrerá com conscientização e cobrança da sociedade. Para ele, não é preciso haver pirotecnias ou aumentos maciços de investimento. Pesquisador e autor de "A ignorância custa um mundo", ele foi convidado a viajar no avião do "Jornal Nacional" mês passado, como consultor da série "Blitz na Educação". Diante de mazelas de escolas e do descaso com crianças pobres, diz ter sentido frustração e depressão. Mas, em algumas, viu que o comprometimento de professores, pais e diretores é suficiente para transformar a escola pública.
Leila Suwwan
Como foi visitar as escolas brasileiras?
GUSTAVO IOSCHPE: Foi bom porque defendo que não precisamos de pirotecnia, de grandes mudanças nem revolução para ter educação de qualidade. Para ter escola que ensina, na qual o aluno não repete, sai alfabetizado até o 2º ano, podemos trabalhar com a infraestrutura e os recursos que temos hoje. Vimos pelo menos duas escolas, em Novo Hamburgo (RS) e Goiânia (GO), em que eu colocaria meu filho.
Cobra-se investimento maciço, até duplicação do percentual do PIB gasto na educação.
IOSCHPE: Não só acho que isso é absolutamente irrelevante, como há evidências sólidas disso. Quando você cruza o percentual do PIB do que alguns países investem na educação com testes que medem desempenho do aluno, descobre que não há relação entre gasto e aprendizado. É frustrante, quase revoltante. O investimento em educação tem aumentado no Brasil, mas a qualidade, não. É ruim não apenas por ser desperdício de dinheiro, mas desperdício de tempo, variável mais preciosa. Estamos em um contexto cada vez mais globalizado e competitivo, e a defasagem do Brasil, com relação aos EUA, é de 60 anos.
O Brasil gasta mal?
IOSCHPE: Muitíssimo mal.
Qual o maior desperdício?
IOSCHPE: Primeiro, o desvio de verbas. Isso precisa ser investigado. Mas o mais significativo é que hoje se gastam de 70% a 80% da verba de educação com salários. E gasta essa quantidade com pessoas mal formadas, sem preparo para dar aula. Você pode pagar o dobro, triplo e quádruplo, que vão continuar mal preparadas. Há uma ideia no Brasil de que ser professor é um sacerdócio. Não é. É cargo profissional, e o ocupante precisa ter competência e preparo. O problema não é dinheiro, nem se o gasto é eficiente ou não. O problema é a formação dos professores e as práticas de sala de aula, onde ainda há uma visão ideológica, com viés protossocialista, de formar um cidadão crítico e consciente, em vez de transmitir conhecimento e conteúdo. Há outra questão: quase metade dos diretores do ensino básico são indicações políticas. Essa metade você pode descartar porque a preocupação deles não é aprendizado e qualidade. É "estar bem" e ter relações cordiais e pacíficas com professores e a comunidade.
Nas escolas, entre o descaso e o comprometimento
Você disse que é preciso acabar com a ideia de "sacerdócio" do professor, mas, em Goiânia, disse que a diretora era "heroína". É preciso ser heróico?
IOSCHPE: Depois que falei isso, me arrependi. Justamente porque reforça o estereótipo na coisa sobrenatural. Estava num estado de "depressão educacional", depois de ver tanta escola ruim e aluno abandonado. Era o terceiro dia e tínhamos passado antes na escola ruim, que era algo de doer na alma. Tinha acabado de ver que, para o aluno pobre e analfabeto, a aula de reforço era taekwondo. Chamar de heroína foi um equívoco. O que ela estava fazendo é ser profissional. Ela era muito boa diretora, muito comprometida.
O que mais chateou?
IOSCHPE: Foi na escola do Pará, que teve paralisação. Um aluno comentou: mais vai "grevar" de novo? Ou seja, eles até inventaram um verbo. Mas o mais grave é que os alunos nem foram avisados. É um descaso tão grande! Na escola de Goiânia, estava conversando com uma professora no fim do recreio e passou um menino, que tinha cortado o pé, estava sangrado. Ela mandou ir para a aula, e ele cuspiu no pé, para "limpar" a ferida e foi assim para a classe.
Você falou sobre a "cultura de aceitação do fracasso". Pode explicar?
IOSCHPE: É essa ideia de que é esperado e obrigatório que aquele aluno vai fracassar na educação, não vai dominar todo o conteúdo, não vai ser aprovado em todas as séries e vai eventualmente abandonar a escola. São escolas que não acreditam que seus alunos possam ser doutores, engenheiros. Isso acaba permeando a cultura da escola, gera menos cobrança e uma certa arrogância no trato com as famílias. Gera uma cultura de aceitação do fracasso, considera isso o normal. Isso acaba afetando até o professor motivado.
A variação de salários tinha efeito na motivação?
IOSCHPE: O que a pesquisa empírica sugere é que não há relação entre o salário do professor e o aprendizado do aluno. Vimos isso muito claramente no "JN no Ar". Tirando uma escola militar em Belém, onde os alunos pagavam mensalidade, vimos escolas da mesma cidade, da mesma rede, onde professores ganham o mesmo salário. E há diferenças abissais em aprendizado. Os professores não gostam quando falo que não há relação entre salário e aprendizado, mas falo. E com pesar, porque seria uma solução mais simples. Mas o professor está despreparado, está cheio de abobrinhas ideológicas sobre o que é seu papel, está inserido em um sistema que não está se preocupando com o aprendizado. Pagar melhor é vantagem para o professor, mas, para o aluno, não.