Título: O caminho dos remédios fatais
Autor: Rizzo, Alana; Herdy, Thiago
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2009, Brasil, p. 11

Medicamentos piratas são produzidos em fábricas distantes, mais entram no Brasil sem dificuldades

Até chegar às mãos do consumidor brasileiro, remédios e equipamentos falsificados percorrem longo caminho, que começa do outro lado do globo. A fabricação é realizada em países onde a fiscalização é nula, nas regiões do Sudeste Asiático e Leste Europeu, República Popular da China, Índia, Afeganistão e Paquistão. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), naqueles países os produtores recebem encomendas e as despacham para mercados consumidores. O perfeccionismo é tanto que próteses e medicamentos falsificados já seguem com embalagens adequadas ao idioma do destino.

Criada há pouco mais de dois anos, a Assessoria de Segurança Institucional da agência garante que, até então, não havia sido encontrada no território brasileiro estrutura mais sofisticada para a montagem de equipamento médico ou adulteração de remédios em larga escala. Mas há sinais de que a origem da pirataria não está mais tão distante. A Anvisa recebeu a informação de que um navio de bandeira chinesa, localizado a 200 milhas da costa brasileira, produz materiais como seringas e agulhas descartáveis sem controle.

A fábrica flutuante funciona 24 horas por dia e aproveita a mão de obra barata para inundar o mercado brasileiro com produtos falsificados. Para evitar rastreamento e repressão, os criminosos movimentam a embarcação de tempos em tempos. E a Anvisa não pode fazer nada.

As organizações criminosas especializadas na pirataria da saúde usam as mesmas rotas desbravadas por outros grupos que trazem para o Brasil armas, drogas e produtos eletrônicos. Os produtos chegam pelos portos legais e ilegais, para depois serem levados às fronteiras, quase sempre sem condições adequadas de fiscalização. A rota inclui tanto as mais movimentadas, exemplo de Paraguai e Uruguai, como as mais remotas, caso da Bolívia.

Estado mais populoso e mais desenvolvido do país, São Paulo é líder na preferência dos grupos criminosos na hora de despejar os produtos em território brasileiro. Centenas de atravessadores cruzam a Ponte da Amizade, que separa Foz do Iguaçu, no Paraná, e Ciudad del Leste, no Paraguai, para buscar mercadorias que abastecerão o estado considerado polo distribuidor dos remédios e equipamentos da morte. A tarefa não é difícil. Cerca de 80 mil carros e motos realizam a travessia diariamente.

Pela fronteira com o Uruguai, criminosos abastecem Rio Grande do Sul e Paraná. Na esquecida fronteira com a Bolívia, uma nova rota se estabelece por Cáceres, no Mato Grosso, a partir de San Mathias, cidade do país vizinho. Nos dois casos, produtos são despejados também em outros estados ao longo do caminho até São Paulo. É de lá que atravessadores, distribuidores de fachada e farmácias criminosas se encarregam de repassar produtos a outras empresas, principalmente de Minas e do Rio. O mapa das apreensões da Anvisa mostra que, depois disso, os produtos chegam rapidamente aos consumidores. Apenas nos últimos 18 meses, a agência foi solicitada a agir em 73 municípios de Norte a Sul do país.

O número 200 milhas é a distância que um navio de bandeira chinesa ¿ que produz medicamento pirateado ¿ estaria da costa brasileira. A fábrica flutuante abasteceria o território nacional a partir de contatos com distribuidores nacionais