Título: O paradeiro do protagonista do propinoduto
Autor: Rocha, Carla; Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 05/06/2011, Rio, p. 21

Silveirinha é apontado como dono de posto de gasolina em nome de fiscal

Os longos processos levantam curiosidade sobre como vivem e por onde andam os réus, em especial quando protagonizaram escândalos financeiros. Sem uma sentença sacramentando o seu destino para o bem ou para o mal, eles ficam numa espécie de limbo. No Rio, uma pergunta não cala: por onde anda Silveirinha? O GLOBO localizou o ex-fiscal de renda do estado Rodrigo Silveirinha - acusado de ter participado de um desvio milionário de dinheiro público para contas na Suíça, conhecido como propinoduto - batendo ponto num posto de gasolina em Maria da Graça, na Zona Norte.

Enquanto a Justiça não define o futuro de Silveirinha, ele reconquistou uma rotina anônima, bem diferente do incansável cerco da imprensa e de fotógrafos no auge do escândalo. No posto, ele é um simples comerciante. Todos os dias, sai bem cedo do confortável condomínio onde ainda vive, perto da Praia da Macumba, no Recreio. Silveirinha fica até o anoitecer no escritório do posto, de onde sai, de vez em quando, aparentemente para orientar funcionários ou receber clientes. Em vez dos ternos bem cortados de quando era subsecretário de Administração Tributária do governo Anthony Garotinho, ele agora veste jeans e camisa esporte. Mas mantém o porte altivo. O sobrenome, um estigma tão forte que a família chegou a recorrer à Justiça na tentativa de apagar - a mulher e os filhos não queriam mais assinar Silveirinha -, desapareceu na conversa banal do dia a dia. Para os funcionários, que o apontam como dono do posto, ele é seu Rodrigo.

Ex-fiscal ficou preso por 1 ano

De certa forma, ainda que apenas laços de amizade tenham garantido um lugar no posto ao ex-fiscal, a Fazenda estadual, onde tudo começou, continua a garantir o ganha-pão de Silveirinha. O posto, da bandeira Petrobras, está no nome de um fiscal de renda do estado - assim como Silveirinha, nomeado em 1999 pelo então secretário de Fazenda, Carlos Antônio Sasse. Como, a princípio, não há irregularidade no fato de o fiscal ser sócio de uma empresa, a menos que fosse sócio-gerente, o que não é o caso, o nome dele não será divulgado. Com todos os bens bloqueados, Silveirinha não poderia ser dono do negócio. E seu nome não aparece na documentação oficial da Junta Comercial.

Na Justiça Federal, Silveirinha chegou a ser condenado em primeira instância. Ficou preso por mais de um ano. Fugindo à regra normal, foi solto graças a um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), concedido após a condenação em primeira instância. Em geral, quando uma sentença é proferida com o réu preso, ele continua atrás das grades. Mas, no caso do propinoduto, isso não aconteceu. As apelações criminais estão em curso. Mas, mesmo com o peso da condenação, ele ainda não foi julgado no processo de improbidade administrativa do Tribunal de Justiça do Rio. A ação já passou por 14 juízes e o processo registra mais de 200 movimentações, entre "juntadas" e "despachos de mero expediente".

É difícil saber até em que fase está o processo, por causa do segredo de Justiça decretado. A juíza Cristiana Aparecida de Souza Santos, da 2ª Vara de Fazenda Pública, não autorizou o acesso a qualquer parte dos autos e se limitou a fazer um resumo. Até porque a magistrada não é a titular e deixou a vara no último dia 31. Ela já assumiu a 12ª Vara de Fazenda Pública.

A lentidão é tanta que o próprio advogado criminal de Silveirinha, Fernando Fragoso, diz não ter há alguns meses contato com o ex-fiscal - um dos motivos pelos quais não poderia informar sobre a vida pessoal do cliente.

- Sei que ele atravessou sérios problemas. Não sabia que ele estava trabalhando num posto - disse Fragoso.

Em sua conta na Suíça, segundo as investigações, Silveirinha tinha US$8,7 milhões.

Outro personagem do propinoduto é o ex-fiscal Lúcio Picanço, que era chefe de gabinete de Sasse. Ele tinha US$1,2 milhão no Discount Bank na Suíça. Hoje Picanço é livreiro, dono de um pequeno sebo no Centro, e participa de fóruns na internet sobre bonsai e vinhos. Na última quinta-feira, ele atendia no balcão. Com ar abatido, sai pouco da loja e permanece boa parte do tempo ao telefone.

Os outros três fiscais acusados dos desvios no propinoduto, Carlos Eduardo Pereira Ramos (US$18 milhões), Júlio César Nogueira (US$838 mil) e Rômulo Gonçalves (US$2,1 milhões), não foram localizados.

Outros casos emblemáticos, como o da Loterj, também não foram a julgamento ainda. Ex-diretor da autarquia, Waldomiro Diniz responde a várias ações, mas só foi condenado em Brasília, onde oficialmente continua a morar. Uma consulta na movimentação dos processos aos quais ele responde no Tribunal de Justiça do Rio indica que há uma certa dificuldade em citar todos os réus, entre eles Carlos Augusto de Almeida Santos, o Carlinhos Cachoeira, empresário da área de jogos eletrônicos, que mora em Brasília. Waldomiro é acusado de ter pedido propina a Carlinhos para financiar campanhas eleitorais. O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) responde a ações, de 2006, por irregularidades na Cehab e a uma outra, também sem sentença, em que é analisada a sua evolução patrimonial. O processo é de 2008.