Título: Uma era de justiça social
Autor:
Fonte: O Globo, 03/06/2011, Opinião, p. 7

JUAN SOMAVIA

No mundo existem mais de 200 milhões de desempregados. Entre eles, 80 milhões são jovens que buscam seu primeiro trabalho. Ambas as cifras se situam em níveis máximos históricos, mas são apenas a ponta do iceberg. Existem 1,5 bilhão de trabalhadores vulneráveis, cerca da metade da força laboral mundial, enquanto 1,2 bilhão de pessoas trabalham mas sobrevivem com menos de dois dólares diários.

O descontentamento alcança níveis perigosos. Em três quartos de 82 países com dados disponíveis, a maioria das pessoas se sente mais pessimista sobre sua qualidade de vida no futuro. Estamos enfrentando uma crescente frustração diante da falta de empregos e trabalho decente.

O modelo de crescimento revelou-se economicamente ineficiente, socialmente instável, politicamente insustentável e nocivo em termos de meio ambiente. Perdeu legitimidade. As pessoas exigem, e com razão, maior justiça em todos os aspectos de sua vida. Isto, sem dúvida, é uma causa das revoltas populares no mundo árabe e de protestos em vários países industrializados e outras regiões.

No entanto, à medida que a recuperação econômica avança, em muitos lados é como se a crise jamais houvesse existido. Ao aplicar as mesmas políticas de antes se ignora um fato fundamental: foi precisamente esse tipo de política que por pouco quase derreteram a economia mundial.

O investimento produtivo mundial como porcentagem do PIB ¿ a fonte da geração de emprego ¿ estancou. Por outro lado, a proporção de ganhos provenientes de operações financeiras, cuja capacidade de criação de emprego é quase nula, aumenta. O crescimento mundial de salários reduziu-se à metade. A diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres aumenta. Entre ambos, encontra-se a classe média, esmagada.

O nível de desigualdade que uma sociedade é capaz de suportar tem um limite.

Pessoalmente, e tendo sido testemunha da devastação social criada pelas medidas impostas pelo FMI durante as crises dos anos 80 e 90 na América Latina e na Ásia, me preocupa ver que a Europa ¿ berço da coesão social ¿ aplica essas mesmas políticas, com consequências negativas, sociais e econômicas.

Como seria um modelo de crescimento eficiente e socialmente responsável?

Para começar, a economia mundial não deve estar dirigida por interesses financeiros e uma cultura de benefícios, e sim pelas necessidades produtivas da economia real.

É urgente melhorar o tipo de resultados e ganhos provenientes do comércio e do investimento. Isto pode ser alcançado através de uma melhor integração entre políticas macroeconômicas e políticas sociais e laborais. Por exemplo, fazendo da criação de emprego um objetivo macroeconômico.

Isso significaria aumentar o investimento produtivo gerador de emprego; expandir a economia real e limitar as operações financeiras improdutivas; facilitar a contratação, especialmente nas pequenas empresas; prover um piso de seguridade social para 80% da população mundial que não tem este benefício; e facilitar a aplicação dos direitos fundamentais no trabalho.

Existem provas de que este enfoque funciona. Os países que implementaram uma combinação dessas medidas saem da crise mais rapidamente do que aqueles que apostaram em velhas receitas. Os líderes do G20 querem, com razão, promover um crescimento forte, sustentável e equilibrado. Eu acrescentaria ¿igualitário¿ a esta fórmula. A próxima Cúpula do G20 sob a presidência francesa é uma oportunidade para avançar.

Precisamos de uma nova era de justiça social. A justiça social é um conceito que tem sua história e suas realizações, mas nas últimas décadas ficou para trás. Chegou a hora de resgatá-lo.

Na 100ª Conferência Internacional do Trabalho que começa esta semana em Genebra, os delegados de governos, trabalhadores e empregadores de mais de 180 países discutirão sobre o melhor caminho para chegar a esta meta.

JUAN SOMAVIA é diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT).