Título: Fifa precisa pôr ordem na casa
Autor:
Fonte: O Globo, 03/06/2011, Opinião, p. 6

Reeleito para o quarto mandato consecutivo na presidência da Fifa, o suíço Joseph Blatter prometeu reformas imediatas para aumentar a credibilidade da entidade máxima do futebol. É o mínimo que dele se espera, pois a Fifa atravessa grande turbulência após denúncias de corrupção que levaram 17 países, à frente a Inglaterra, a pedir o adiamento da eleição.

Com 183 dos 206 votos, Blatter mostrou poder incontestável. No cargo desde 1998, concorreu como candidato único, já que o dirigente que iria desafiá-lo, Mohamed bin Hammam, do Qatar, presidente da Confederação Asiática, foi suspenso, acusado de tentar subornar delegados do Caribe, e retirou sua candidatura. Também foi punido o presidente da Concacaf (Américas do Norte, Central e Caribe), Jack Warner, aliado de Hammam.

O próprio Blatter foi investigado pela comissão de ética da Fifa, e inocentado. A entidade negou que ele tenha destinado US$1 milhão à Concacaf em troca de votos. O dinheiro seria para um projeto de estímulo ao futebol em países emergentes. Há ainda enorme polêmica e desconfiança em torno da escolha do Qatar, de Hammam, para sediar a Copa do Mundo de 2022. E-mails enviados pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, acusavam Hammam de ¿tentar comprar a Fifa, como fizeram com o Mundial¿, referindo-se à escolha do Qatar. A Federação Alemã pediu abertura de inquérito e o reexame da decisão sobre a Copa de 2022.

A entidade que dirige o futebol mundial movimenta cifras astronômicas. Nos quatro anos anteriores à Copa de 2010, a Fifa faturou US$4 bilhões em direitos de transmissão pela TV e quotas de patrocínios. As denúncias deixaram os patrocinadores inquietos: quatro dos seis pediram explicações.

Reeleito, Blatter agiu rapidamente e anunciou mudanças no processo de escolha das sedes das Copas, a ser feita em votações no Congresso da Fifa, do qual participam 208 países, e não mais no restrito Comitê Executivo, de 24 membros, vulneráveis ao poder financeiro dos países candidatos. A mudança aumenta o componente democrático da escolha, mas só valerá para a Copa de 2026, uma vez que as três próximas já estão marcadas: 2014, Brasil; 2018, Rússia; e 2022, Qatar.

As reformas anunciadas por Blatter ainda parecem tímidas se comparadas à ação adotada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), após o maior escândalo da história olímpica: o pagamento de subornos, em 1998, na escolha de Salt Lake City para sediar os Jogos de Inverno de 2002. Diante da comprovação do crime, o COI baniu os culpados, incluiu em seu quadro atletas recém-aposentados e adotou normas éticas que proibiram presentes aos delegados, visitas às cidades candidatas e outras formas de lobby informal. Além disso, contratou auditores externos. O processo durou dois anos.

São exemplos que deveriam ser seguidos pela Fifa e todas as confederações associadas. O mesmo cuidado com a transparência precisa haver em momentos especiais, nos grandes eventos, como Copas e Olimpíadas. O Brasil, neste sentido, serve de teste para o COI e a Fifa. Sem esquecermos das autoridades públicas envolvidas com a Copa de 2014 e os Jogos de 2016, no Rio.