Título: Dívidas corroem orçamento das famílias
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2009, Economia, p. 16

Com a fartura de crédito e facilidades como prestações a perder de vista, brasileiros se descontrolam e débitos já superam os salários.

Os consumidores brasileiros estão endividados e não sabem nem mesmo quanto de juros pagam por mês nos inúmeros tipos de dívidas que contraem ¿ desde o crediário para a compra de uma simples geladeira até o crédito rotativo do cartão de crédito, passando pelo cheque especial, pelos cartões de lojas e por empréstimos pessoais. Em algumas famílias, o nível de endividamento está tão alto, que já falta salário para honrar os compromissos em dia. Muitas pessoas se entusiasmaram com o baixo valor das parcelas dos carnês e dos empréstimos, achando que poderiam acomodá-los ao orçamento doméstico. Mas acabaram ultrapassando todos os limites. ¿Esse quadro reflete a falta de informação sobre o crédito, sobre os riscos que ele oferece¿, afirma Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Ela critica o hábito do brasileiro de comprar por impulso, sem fazer as contas entre custos fixos, salário e disponibilidade financeira, ou seja, a parte livre da renda. ¿Não basta a prestação caber no orçamento, pois um excesso de parcelas torna a dívida impagável¿, afirma. No seu entender, os consumidores têm que aprender a conter o impulso e não comprar sem poder. Devem prevalecer, sempre, a necessidade e a capacidade de pagamento. ¿As lojas querem vender e fazem de tudo para seduzir o consumidor. Cabe a ele resistir. O crédito é bom, mas desde que bem usado¿, argumenta Ione. O mesmo acontece com os bancos, que cobram caro pelo que emprestam, e pelas administradoras de cartões de crédito, cujas taxas do financiamento rotativo passam de 600% ao ano.

Todos esses importantes detalhes, no entanto, passam distante da percepção dos consumidores. Desde que o crédito deixou de ser restrito às classes A e B, a procura por empréstimos e financiamento explodiu. Famílias que antes não

tinham acesso a vários tipos de bens, como eletrodomésticos e automóveis, passaram a ter condições de comprar, mesmo que em um prazo a perder de vista. Mas o preço dessas aquisições é alto. O crédito caro compromete parcela considerável do orçamento doméstico. E se o consumidor não tomar cuidado, em pouco tempo estará em sérias dificuldades.

Sem acordo Foi isso o que ocorreu com o funcionário terceirizado Bruno Bastos Lôpo, 27 anos. Casado há quase dois anos e com uma filha pequena para cuidar, ele entrou na ciranda do crédito rotativo do cartão de crédito. ¿No início, financiava o saldo devedor para segurar uma parte do salário ¿ de R$ 1 mil ¿, que nunca dava para fechar o mês¿, conta. A situação, porém, se complicou com o nascimento da filha. ¿No mês que fiquei sabendo que ia ser pai, recebi o carnê de financiamento de um carro que tinha acabado de comprar. Devolvi o carro, mas não consegui pagar as faturas dos cartões¿, relata.

Bruno ressalta que, diante das despesas extras com o bebê, tentou fazer um acordo para quitar a dívida com o cartão de crédito. ¿Tentei negociar, mas com os juros tão altos, as prestações não couberam no meu orçamento¿, diz. Resultado: suspendeu o pagamento das faturas por total incapacidade de arcar com os débitos de R$ 1,7 mil ¿ quase duas vezes seu salário mensal.

A vida do vigilante Luiz Alberto da Silva, 46, não está muito diferente. ¿Mais de 60% da nossa renda mensal, de R$ 1,6 mil, estão comprometidos com o pagamento de prestações do carro, do material de construção para a reforma da casa e do forno de micro-ondas¿, diz. Sua mulher, Lucimara, 39, está recorrendo às preces para sair de tamanho sufoco. ¿Nossa renda só está dando para pagar as contas¿, admite. Com o carro, são 60 prestações de R$ 499,58, totalizando

R$ 30 mil, mais do que o dobro dos R$ 14 mil que seriam desembolsados à vista. ¿Agora, vou esperar para só comprar à vista¿, promete Lucimara.

Carro devolvido Essa promessa está no topo das receitas de Ione Amorim, do Idec, para aqueles que não querem ter o orçamento familiar corroído pelas dívidas. ¿O melhor a ser feito é adiar o consumo de bens que não são imprescindíveis se não puder pagar à vista¿, ressalta. ¿Se as famílias fizessem as contas antes de comprar, não se arriscariam. Com uma taxa de juros de 8% ao mês, ao final de 12 meses, o consumidor terá pago o dobro do preço à vista. Caso poupasse o valor da prestação por seis meses, pagaria o bem à vista e com desconto¿, ensina.

Na avaliação de Ione, os consumidores que usam o cheque especial como complemento do salário ou entram no crédito rotativo do cartão ¿perderam de vez o juízo¿, pois, ao arcarem com taxas médias de 10% ao mês, terão esgotado a capacidade de pagamentos em seis meses. Salim Camargo Brito, 52, que o diga. Motorista, desempregado há 10 meses, ele só está conseguindo sustentar a mulher e os cinco filhos graças ao Bolsa Família, o programa social do governo. Quando estava trabalhando, mesmo recebendo R$ 761,35 por mês, tinha de pagar R$ 444,90 de prestação de um carro.

Ou seja, com mais da metade do salário consumida pela dívida, sua vida financeira ruiu. ¿Consegui quitar 14 das 36 prestações do carro, mas tive de devolvê-lo. Aprendi a lição. Quero voltar a trabalhar logo. Mas ter outro carro financiado, nunca mais¿, promete. (Colaborou Daniel Gonçalves, especial para o Correio)

Crescimento O volume de empréstimos à disposição da população já ultrapassa 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mais crédito significa mais investimento para a produção, que cresce para atender o consumo das famílias. Comprar com recurso alheio, ou seja, com crédito, exige cuidado. A operação pode ser arriscada para quem não consegue controlar o próprio orçamento.