Título: Ventos de crise empurram Portugal à direita
Autor: Sorano, Vitor
Fonte: O Globo, 04/06/2011, O Mundo, p. 42

Com desemprego recorde de 12,4% e interferência do FMI, pesquisas indicam derrota socialista amanhã

O CANDIDATO DO PSD, Pedro Passos Coelho, é carregado por correligionários no Porto: retorno da direita

O PREMIER JOSÉ Sócrates acena a seus partidários em Lisboa

LISBOA. Filiada ao Partido Socialista, Teresa Silva, 45 anos, vai votar num partido nanico amanhã. Trabalhando em meio período em telemarketing, com contrato temporário após 3 anos no desemprego, tem que dividir a casa com amigos para conseguir cobrir as contas. Nem o conselho do pai ¿ também militante ¿ pelo voto útil a demove.

¿ O PS já é de direita. Vou votar no Partido pelos Animais e pela Natureza.

A rejeição de Teresa a seu partido de coração dá o tom de um resultado que vem saindo das urnas em vários países europeus afetados pela crise e que deve se repetir amanhã em Portugal: quem está no governo paga o pato, independentemente da ideologia.

Assim como na Irlanda, a crise econômica e a consequente intervenção do FMI levarão a uma troca antecipada de governo no país, guinando a nau portuguesa para a direita. Os social-democratas (PSD), liderados pelo economista Pedro Passos Coelho e com 36,5% das intenções de voto, devem ganhar as eleições amanhã e formar um governo de coligação com o conservador CDS. Com isso, põem fim a seis anos de mandato dos socialistas do premier José Sócrates ¿ que têm 31,1% das intenções de voto.

Presidente e premier deverão ser da direita

Pela primeira vez desde a Revolução dos Cravos, que redemocratizou o país em 1974, Portugal vai ter o Parlamento e a Presidência comandados pela direita. O presidente Cavaco Silva, ex-premier pelo PSD, foi reeleito em janeiro com 53% dos votos.

¿ É o fato novo dado pela crise ¿ destaca António Costa Pinto, professor da Universidade de Lisboa e ex-presidente da Academia Portuguesa de Ciência Política.

Sob comando alternado de PS e PSD, Portugal se endividou, mas cresceu pouco desde que o euro entrou em vigor em 2001, e vive hoje a maior crise econômica de sua história democrática. O desemprego recorde atinge 12,4% da população (no Brasil, o índice é de 6,2%), e 27,4% entre os jovens. Um em cada cinco empregados tem, como Teresa, contratos temporários. A economia do país vai recuar 1,4% este ano e crescer 0,3% no ano que vem. Salários públicos estão sendo cortados; aposentadorias, congeladas; e impostos, elevados.

¿ Com as horas extras, meu salário passou do limite, e cortaram. Acabei recebendo menos ¿ resigna-se o professor António Abreu, de 36 anos. ¿ Na escola, com os pais desempregados, é cada vez maior o número de crianças que não têm dinheiro para algumas atividades. Não sei em quem voto, mas no PS, com certeza, não.

O país testemunha greves praticamente semanais, sobretudo no setor de transportes, e protestos tomam as ruas. Em 12 de março passado, mais de 200 mil pessoas ocuparam o centro de Lisboa, numa das maiores manifestações das últimas três décadas. Um movimento semelhante ao 15-M ¿ que sacode a Espanha em protestos contra o sistema político ¿ iniciou-se e, durante 12 dias, montou acampamento no Rossio, espécie de marco zero da cidade.

A derrocada do governo ocorreu quando Sócrates não conseguiu aprovar um pacote de austeridade prometido à Comissão Europeia ¿ o quarto em menos de um ano. O presidente Cavaco Silva aceitou o pedido de demissão do premier e convocou eleições. Os juros da dívida pública dispararam e o país recorreu à ajuda do FMI e da Comissão Europeia ¿ como fizeram Irlanda e Grécia ¿ no valor de 78 bilhões (R$180 bi).

Apesar da crise, o desempenho dos socialistas é considerado surpreendente por Pedro Magalhães, cientista político da Universidade de Lisboa.

¿ Compare com o que aconteceu nas eleições municipais e regionais na Espanha, onde o Partido Popular, conservador, teve uma vitória histórica em todo o país (governado pelos socialistas) ¿ diz a analista política Maritherese Frain.

Com programa austero, PSD perde eleitores até na direita

Já o PSD, com um programa mais austero, perdeu terreno inclusive entre o eleitorado da direita, avalia Carlos Jalali, cientista político da Universidade de Aveiro. O fato de Passos Coelho nunca ter participado de governos contribui, mas ainda assim ele deverá chegar ao poder. No entanto, mesmo vencedor, o economista governará à sombra do desencanto do eleitorado, expresso por pessoas como Teresa e a estudante Inês Vieira, de 19 anos.

¿ Nem PS nem PSD! Vou votar em branco! Por mim, todo mundo votava em branco.