Título: Em meio a impasse, Brasil e Argentina voltam a discutir
Autor: D"Ercole, Ronaldo; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 02/06/2011, Economia, p. 25

"Gestos de boa vontade" não se tornaram realidade e produtos ainda estão na fronteira

SÃO PAULO e BUENOS AIRES. Brasil e Argentina retomam hoje em Brasília as negociações sobre a disputa que paralisa as trocas comerciais entre os dois países. As promessas de "gestos de boa vontade" feitas semana passada pouco ajudaram. A maioria das empresas brasileiras continua com produtos retidos na fronteira à espera de licenças do país vizinho. O governo brasileiro, que acenara com a possibilidade de liberar ao menos parte dos cerca de cinco mil veículos parados do lado de lá da fronteira, revidou na mesma moeda e não emitiu licenças.

Segundo uma fonte da equipe da ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, no encontro de hoje com o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) ela voltará a defender a necessidade de o país se reindustrializar, "porque senão deixaremos de ser sócios e passaremos a ser uma colônia do Brasil". Perguntado ontem sobre as perspectivas da reunião de hoje, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, que esteve em Buenos Aires semana passada, disse apenas que as negociações prosseguem.

As empresas brasileiras estão divididas quanto às negociações. Parte acredita que se está a caminho de um entendimento. A indústria brasileira tem 576 produtos sob o regime de licenças não automáticas que vem sendo imposto gradualmente pelo governo argentino.

A Whirlpool, dona das marcas de eletrodomésticos Consul e Brastemp, tinha 500 contêineres de geladeiras e máquinas de lavar parados na fronteira, alguns há mais de cem dias, e conseguiu esta semana a liberação de cem deles.

- Não tenho dúvidas de que (a liberação) foi por causa do esforço de negociação - diz Armando Valle Júnior, vice-presidente de Relações Institucionais de Whirlpool.

No setor têxtil, demora de até 180 dias para liberação

Os exportadores de calçados têm conseguido algumas liberações, mas há cerca de 430 mil pares retidos. Já a situação dos exportadores têxteis e de máquinas agrícolas continuava inalterada. Há 2.500 tratores e colheitadeiras à espera das licenças.

- Até janeiro, mesmo com demora de até cem dias, ainda conseguíamos licenças, mas depois nada mais foi autorizado - diz Milton Rego, vice-presidente de Máquinas Agrícolas da Anfavea. - Nossos distribuidores na Argentina, que são empresários locais, não têm produtos e não têm conseguido importar nem peças de reposição.

No setor têxtil, a espera chega a 180 dias. Muitas empresas só têm despachado as encomendas dos clientes argentinos após a liberação das licenças.

- O Brasil está sendo retaliado pelo governo argentino - diz Alfredo Emílio Bonduki, da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), que estima as perdas este ano com essa briga em US$60 milhões.

A Argentina deverá pedir ao Brasil a negociação de acordos entre os empresários de os dois países para estabelecer cotas às exportações brasileiras, como já foi feito antes. Bonduki argumenta que isso só serviu para a Argentina trocar produtos brasileiros por chineses.

- Sem acordo haverá prejuízo para os dois países - diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).