Título: A propina que dá até em árvore
Autor: Moura, Athos; Brunet, Daniel
Fonte: O Globo, 02/06/2011, Rio, p. 14

Delegado comandaria esquema; inspetor tinha mala de dinheiro escondida no jardim

O DELEGADO Henrique Faro (entre os dois policiais) é levado preso durante a Operação Alçapão: nove pessoas foram detidas

Athos Moura, Daniel Brunet, Elenilce Bottari e Fabíola Gerbase

Dinheiro não dá em árvore, mas se for de propina... Durante a Operação Alçapão, realizada ontem para combater um dos crimes mais enraizados na polícia do estado ¿ a caixinha de propinas em delegacias ¿, policiais encontraram uma mala com R$210 mil escondida na copa de uma árvore na casa do inspetor Jorge Gomes Barreira, em Guaratiba. Ele é chefe do Setor de Investigações da 76ª DP (Niterói) e é acusado de, juntamente com o delegado Henrique Faro dos Reis, comandar um esquema de corrupção que recolhia dinheiro de bicheiros e empresários. A operação foi realizada pela Corregedoria da Polícia Civil e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Até o início da noite, nove pessoas tinham sido presas: seis policiais, um agente penitenciário, um advogado e um informante.

Um dos detidos, o delegado Faro, ex-titular da 76ª DP, trabalhou em 2009 na Corregedoria de Polícia com o atual corregedor, Gilson Emiliano Soares, responsável pelas investigações que levaram a Justiça a conceder agora dez mandados de prisão e 29 de busca e apreensão. Está foragido o inspetor Jerônimo Pereira Magalhães, o Magal, chefe do Setor de Homicídios da 72ª DP (São Gonçalo) e acusado de pegar propina do jogo do bicho para redistribuí-la para a quadrilha, que também envolveria policiais da 81ª DP (Itaipu). Ao todo, 15 pessoas foram denunciadas.

Caixinha para agilizar inquéritos

Além de receber dinheiro para não coibir a exploração de caça-níqueis e o jogo do bicho em Niterói e São Gonçalo, os acusados passavam, conforme a denúncia, informações aos contraventores sobre operações policiais. Também achacavam empresas para agilizar ou paralisar inquéritos.

Segundo o coordenador do Gaeco, o promotor Cláudio Varela, o caso revela uma mudança na Polícia Civil:

¿ É uma nova fase. A Corregedoria de Polícia está inequivocamente enfrentando seus problemas internos, em vez de varrê-los para debaixo do tapete. Ao tomar conhecimento de imagens feitas pela Polícia Federal que mostravam pontos de bicho funcionando perto de delegacias, a Corregedoria nos procurou e iniciamos juntos uma investigação sobre a 72ª DP. O trabalho acabou abrangendo outras duas outras delegacias.

Uma fiscalização feita pelo MP na 76ª DP, em 29 de março, já havia encontrado fortes indícios da estreita ligação dos policiais com a contravenção. Promotores encontraram no balcão de atendimento da delegacia diversos talões usados por apontadores do jogo do bicho, que serviam para os policiais fazerem anotações.

O corregedor Emiliano informou que a investigação começou há cerca de seis meses. Ontem, por volta das 5h, foi desencadeada, com 170 policiais civis. Além do dinheiro, foram apreendidos armas, munição, caça-níqueis, computadores, documentos e duas motos (BMW e Suzuki), encontradas na casa de um dos policiais investigados. Um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido na antiga casa do policial civil e ex-presidente da Viradouro Marcos Lyra, em Camboinhas, Niterói. Segundo funcionários do condomínio, Lyra não mora mais lá há três meses e teria vendido o imóvel. Na residência, foram encontrados caça-níqueis.

¿ Sabe-se que o Marcos Lyra exerce grande influência no esquema do jogo do bicho em Niterói ¿ disse o corregedor.

Os agentes estiveram ainda na casa de Marival Gomes, ex-secretário de Segurança de Niterói, na Praia de Icaraí, em Niterói, onde foram apreendidos relógios de alto valor, joias, dinheiro e documentos.

A chefe de Polícia Civil, delegada Martha Rocha, disse contar com agentes competentes, que não temem a ação da Corregedoria. Martha afirmou que o caso passou a ser tratado como prioridade logo após assumir o cargo:

¿ Quando assumi a chefia, fiz uma reunião com o corregedor e perguntei quais eram as investigações mais complexas que estavam em andamento. Ele citou que apurava o envolvimento de policiais de Niterói com o jogo do bicho. Eu disse: seja proativo, não há território intocável para Polícia Civil. Não quero saber o alvo. Quero resultados.

A denúncia do Gaeco foi recebida pela 3ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo. Além do delegado Faro e do inspetor Barreira, que se entregou, foram presos os policiais Márcio Coutinho Braga, Ronaldo Antunes Blanco, Carlos Alberto Donato da Cruz Monteiro (conhecido como Betinho ou Donato) e Alexandre da Silva Gonçalves. Os outros detidos são o agente penitenciário José Carlos Pate dos Santos, o advogado Álvaro Monteiro Rolla e o informante Fernando Lobo.

Também foram denunciados os policiais civis Cláudia Barbosa Gonçalves e Carlos Alberto dos Anjos; o diretor de Segurança do Estaleiro Mauá, Wagner de Oliveira; e o gerente do Supermercado Guanabara de Niterói, Ademilson Madalena da Silva. Entre os crimes pelos quais os 15 réus foram denunciados estão formação de quadrilha armada, prevaricação (quando um funcionário público deixa de cumprir suas obrigações) e corrupção. De acordo com a denúncia, os policiais montaram um verdadeiro balcão de negócios nas delegacias.

Segundo as investigações, o inspetor Barreira era um dos que mais vazavam informações sobre operações policiais contra o jogo ilegal. Já Alexandre da Silva Gonçalves, atual chefe do Setor de Homicídios da 76ª DP, foi reconhecido como dono de caça-níqueis instalados até na Rua Dezoito do Forte, onde fica a 72ª DP, da qual na época era chefe do Setor de Investigação. Segundo a denúncia, ele também foi segurança de Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, ex-presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), que será intimado a depor.

Num dos telefonemas gravados com autorização judicial, o policial Fernando Eduardo de Almeida Campos, lotado na 78ª DP (Fonseca), mas trabalhando no Departamento Geral de Polícia do Interior, no prédio da Chefia de Polícia Civil, liga para Barreira pedindo três ingressos para o setor 11 do Sambódromo, no Desfile das Campeãs, que seriam destinados a um delegado da cúpula da corporação. Barreira fez o pedido a um representante do Supermercado Guanabara, que estava distribuindo ingressos para o desfile. Em troca, prometeu tratamento privilegiado em todas as ocorrências envolvendo o estabelecimento. A recusa do supermercado a atender ao pedido irritou Campos, que determinou ¿mordomia zero¿ para casos envolvendo a empresa.

Suborno pago com mercadorias

As interceptações telefônicas revelaram ainda que Ademilson, gerente do Guanabara, negociou pagamentos ao delegado Faro, a Barreira e a Carlos Alberto dos Santos Anjos, para que a 76ª DP acelerasse inquéritos sobre crimes patrimoniais praticados por funcionários contra a empresa. A propina era paga na forma de mercadorias, retiradas em duas filiais.

A denúncia também diz que Wagner de Oliveira, do Estaleiro Mauá, e o agente penitenciário Pate, que fazia segurança no local, negociaram pagamento de propina para que a 76ª DP desse tratamento privilegiado à investigação de um inquérito sobre um homicídio culposo ocorrido na empresa (um funcionário morreu quando um portão caiu sobre sua cabeça).

Em outro caso, uma advogada identificada apenas como Dani pede a Magal que interceda junto a um PM conhecido como Jonas Macaco, do 12º BPM (Niterói). O objetivo é acertar com Jonas um pagamento semanal de R$500 para ele deixar de reprimir o tráfico no Morro do Preventório.

Já o advogado Álvaro Monteiro Rolla e o informante Fernando Lobo foram denunciados por terem participado, com Gonçalves e Barreira, de negociações envolvendo uma padaria no Barreto, em Niterói, onde haveria furto de energia elétrica.