Título: Aula prática de pressão abusiva
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Fonte: O Globo, 02/06/2011, Opinião, p. 6
Chegou a ser vertiginosa a velocidade dos desdobramentos da crise instalada em torno do ministro Antonio Palocci, com a revelação das ainda não explicadas consultorias prestadas pelo chefe da Casa Civil de 2007 ao ano passado. O fato de a reportagem da "Folha de S.Paulo" coincidir com a votação do Código Florestal, em que o governo saiu derrotado pelo aliado PMDB, acrescentou um condimento especial ao caso - um choque entre a presidente Dilma Rousseff, por meio de Palocci, com um dos grandes fiadores da aliança de peemedebistas e petistas, vitoriosa nas eleições, o vice-presidente Michel Temer.
A fragilidade da base política de Dilma terminou amplificada pelo desembarque do ex-presidente Lula em Brasília, sintoma do limitado raio de ação da presidente e do ministro escalado para ser o grande comandante das articulações político-partidárias e outras do governo. Foi necessária a ajuda do líder supremo do PT e idealizador da candidatura Dilma para apagar os focos mais perigosos do incêndio na base parlamentar.
Tirada a foto ensaiada de Dilma e Temer, no aeroporto de Brasília, na passagem de cargo para a viagem da presidente ao Uruguai, o barômetro da tensão caiu, mas ainda deverá haver emoções fortes pela frente. É o que leva a crer a convocação de Palocci, para explicar sua evolução patrimonial, aprovada ontem na Comissão de Agricultura da Câmara, considerada um "golpe" pelos governistas. E há ainda a expectativa sobre como agirá o procurador-geral da República diante das explicações enviadas pelo ministro. Mas é no subsolo da malha de acertos entre partidos para dar sustentação a Dilma Rousseff que se movimentam forças capazes de gerar muitos embaraços ao governo. Até mesmo subtrair seu poder de governar. O primeiro alerta para este risco aconteceu na semana passada, quando a bancada evangélica, aproveitando-se da fragilidade do Planalto, teve êxito numa chantagem: ajudar a impedir a convocação do ministro em troca da suspensão do material do MEC anti-homofobia, a ser distribuído nas escolas, considerado fora do tom pela bancada. Tudo faz crer que não havia outra alternativa diante do conteúdo de folhetos e filmes, mas nunca a presidente deveria ter aceitado os termos da barganha.
Na terça, veio mais uma chantagem, feita de forma explícita por um componente da mesma bancada, Anthony Garotinho (PR-RJ). Que haveria outras, não se tinha dúvidas. Um dos "fichas-sujas" salvos pela prorrogação da Lei da Ficha Limpa para 2012, conhecido pelas nebulosas administrações no Rio de Janeiro, e em particular por juízes e promotores da Justiça Eleitoral fluminense, Garotinho foi direto ao ponto: a convocação de Palocci é "um diamante que custa R$20 milhões" - irônica referência ao suposto faturamento da firma de consultoria do ministro no ano passado. E, diante disso, novamente em troca da ajuda da bancada para manter o chefe da Casa Civil longe do Congresso, Garotinho quer a aprovação de uma emenda à Carta para criar o piso salarial a policiais e bombeiros. Uma aberração. Não só conceitualmente - não existe realidade uniforme nos estados - como do ponto de vista das finanças: custaria R$25 bilhões/ano aos erários estaduais. Desrespeitosa, impertinente, a pressão de Garotinho não pode ser admitida pelo Planalto. Já foi um erro aceitar a primeira chantagem. A segunda será suicídio.