Título: Coro contra Uribe
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2009, Mundo, p. 24

Cúpula da Unasul terá como centro a cessão para os EUA de bases militares na Colômbia, que não será representada por seu presidente.

Sem a presença do presidente colombiano, Álvaro Uribe, a cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que se realiza amanhã em Quito, servirá de palco para um coro quase uníssono. Comandado pelo mandatário venezuelano, Hugo Chávez, pelo boliviano, Evo Morales, e pelo anfitrião, Rafael Correa, o rechaço ao aumento da presença dos Estados Unidos no subcontinente, em sete bases militares cedidas pelo governo colombiano, dará o tom do breve encontro. Não estão previstos debates, apenas uma sessão formal de abertura. O único contraponto possível será a posição mais moderada dos governos brasileiro e chileno, que poderão abrandar uma possível declaração conjunta sobre o uso das bases militares colombianas pelos EUA.

A crise entre Colômbia, Equador e Venezuela só deverá dividir espaço com a crise em Honduras. Os líderes sul-americanos devem reiterar a exigência de que o poder seja restituído ao presidente Manuel Zelaya, deposto por um golpe militar há pouco mais de um mês. Zelaya foi convidado a participar da reunião, mas até a tarde de ontem sua presença não estava confirmada.

O cenário para a cúpula se desenhou nas reações de cada país ao périplo de Uribe pela região, na semana passada, para defender o acordo militar com Washington: apoio solitário de Alan García, no Peru, e os demais países divididos entre apreensão e reprovação, embora todos reconheçam a soberania da Colômbia no que concerne aos seus interesses nacionais. ¿O giro (de Uribe) pela América do Sul cumpriu o papel de informar a posição colombiana a respeito das bases, mas não conseguiu dissipar as preocupações sobre o papel que essa presença americana vai ter e os riscos de desestabilização que ela trará¿, destaca Marco Romero, diretor da Área de Estudos Sociais e Globais da Universidade Andina, no Equador.

Diante desse quadro, o especialista considera ¿acertada¿ a decisão de Uribe de não ir a Quito. ¿Até pelo estado das relações com o Equador, era lógico e previsível que ele não viesse¿, afirma. Virgílio Arraes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), concorda. ¿Ia ser um desgaste político grande para ele. Nenhum país recebe com simpatia a ideia de ter próximo à sua fronteira soldados de terceiros países. Para ele, não comparecer significa ser poupado de embaraços¿, avalia. ¿Não haverá muitas surpresas: de um lado, teremos os protestos contra a ampliação da presença norte-americana na Colômbia; de outro, a moderação da diplomacia brasileira¿, resume.

Para Larry Birns, diretor do Council on Hemispheric Affairs, entretanto, a ausência de Uribe prejudica não só a discussão como a própria reputação de seu governo. ¿Ao não comparecer à reunião da Unasul, ele demonstra fraqueza¿, opina Birns. ¿Uribe corre o risco de afetar sua popularidade e manchar a imagem da Colômbia na América Latina, ao emprestar a estrutura militar de seu país a Washington¿, completa.

À brasileira A expectativa é que os países-membros da Unasul redijam algum comunicado conjunto sobre as sete bases a serem usadas pelos EUA em território colombiano. O texto final deverá espelhar a posição mais moderada, porém firme, do governo brasileiro ¿ que, junto com o Chile, tomou a dianteira na sugestão de discutir o tema em Quito. ¿As explicações (de Uribe) foram bem recebidas, mas não esgotam o assunto. O Brasil quer transparência em todas as decisões que digam respeito a esses temas e considera fundamental que seja dado algum tipo de garantia formal, jurídica, no sentido de que eventuais operações ocorram estritamente dentro do território colombiano¿, afirmou o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, antecipando o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levará à reunião.

Uribe e Barack Obama ¿ que reconheceu a importância da Unasul ao se reunir com seus líderes durante a Cúpula das Américas, em abril ¿ deverão acompanhar com cuidado a reunião no Equador. Para os especialistas ouvidos pelo Correio, porém, nem as declarações durante o encontro, nem um possível comunicado conjunto farão os dois países reconsiderarem o acordo militar. ¿É secundário para a Colômbia o eventual posicionamento da Unasul, do Conselho de Defesa Sul-Americano. O governo Uribe não pode recuar na luta contra a guerrilha das Farc, e para isso é fundamental o apoio dos EUA¿, afirma Arraes. ¿As pressões adicionais terão pouco impacto sobre a decisão, que se articula com a estratégia regional norte-americana¿, corrobora Romero.

Novos valores

Além das polêmicas Com a questão das bases cedidas aos EUA na Colômbia, é possível que outros temas previstos na agenda original da cúpula sejam tratados à margem do encontro ou simplesmente deixados de lado.

Conselhos ministeriais Além dos três já existentes ¿ Defesa, Saúde e Energia ¿, a Unasul terá conselhos de Infraestrutura e Planejamento; Desenvolvimento Social; Educação, Cultura, Tecnologia e Inovação; e Combate ao Narcotráfico. Nesse último, a intenção é de que se trabalhe com a cooperação militar entre os países-membros, tema que ficará ainda mais em evidência diante do acordo militar entre Colômbia e EUA.

Crise econômica O tema, presente em todos os encontros internacionais no último ano, deve perder espaço por conta das bases. É possível, no entanto, que seja abordada na declaração final a necessidade de ação conjunta para superar os efeitos da crise.

Gripe A A agenda original prevê para hoje uma reunião do Conselho de Saúde da Unasul, para analisar a possibilidade de ações coordenadas no combate à gripe suína. A sugestão foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Cúpula do Mercosul, no fim de julho.

Malvinas Os países-membros devem reafirmar, em nota oficial, a tradicional posição de apoio à Argentina na disputa com o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas. O texto deve pedir uma solução pacífica e tão rápida quanto possível.