Título: Após vandalismo, fitas vermelhas
Autor: Costa, Ana Cláudia
Fonte: O Globo, 07/06/2011, Rio, p. 17

Bombeiros tentam obter apoio da população e somam libertação de colegas presos à causa salarial

Ana Cláudia Costa, Natanael Damasceno e Elenilce Bottari

Depois de terem invadido o Quartel Central da corporação, na última sexta-feira, reivindicando aumento, os bombeiros agora deixaram de lado a reivindicação salarial para lutar por outra causa, consequência do ato de vandalismo que cometeram. Eles querem libertar os 439 colegas de farda que estão presos em Niterói desde o último sábado, quando o quartel foi retomado por policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Acampados nas escadarias da Assembleia Legislativa, um grupo de militares afirmou que não vai arredar pé de lá até que os detidos, que eles consideram "presos políticos", sejam soltos.

Para tentar angariar a simpatia da população - que já ficou à mercê da sorte nas praias, no início do movimento, quando os salva-vidas abandonaram postos na orla -, os bombeiros distribuíram fitinhas vermelhas ontem em frente à Alerj. Alguns motoristas aderiram e amarraram o enfeite nas antenas de seus veículos. Os policiais do Batalhão de Choque, escalados para fazer patrulhamento no local, não escaparam do assédio dos bombeiros e acabaram colando as fitas às fardas. A solidariedade, porém, durou pouco. Com medo de punição, os PMs tiraram o adereço assim que um oficial chegou para passar o grupo em revista.

Nas redes sociais, o movimento começou a aparecer. Internautas convocavam amigos a pendurarem na janela fitas vermelhas para demonstrar apoio aos bombeiros, dizendo que todos merecem um salário justo. Em frente à Alerj, parentes dos manifestantes continuavam ontem acampando. Mulher de um cabo, Abigail Freitas era uma das que ajudaram no preparo da sopa que tem alimentado o grupo. Junto de um grupo de mulheres, ela passou o dia de ontem em um barraca montada em frente à Alerj às voltas com fogão e mesas. Em meio aos legumes descascados, contou que toda a família tem participado das caminhadas e dos protestos.

- Se o meu marido não fizer bico, o salário não dá. É muito pouco e tenho que trabalhar também para ajudar nas despesas - disse.

Entre deputados, clima de retaliação

Do lado de dentro da Alerj, a movimentação também foi grande. Parlamentares se reuniram ontem à tarde, a portas fechadas, com representantes do movimento. O objetivo era traçar uma estratégia para que os deputados ajudem os manifestantes a negociar com o governo do estado. Estavam presentes à reunião os deputados Marcelo Freixo e Janira (ambos do PSOL), Flávio Bolsonaro (PP), Clarissa Garotinho (PR), Paulo Ramos e Wagner Montes (ambos do PDT). Ao fim do encontro, o grupo divulgou uma nota de apoio aos bombeiros, na qual defendem a liberação imediata de todos os manifestantes presos e a retomada do diálogo do governo com os manifestantes. "O Rio é um dos maiores e mais importantes estados do país. Diante da importância do Corpo de Bombeiros, não é condizente pagar a esses admiráveis servidores os salários mais baixos do Brasil. Reiteramos que a abertura de diálogo é fundamental. A luta dos bombeiros é justa e legítima e não deve ser criminalizada. Bombeiros são defensores e não podem estar presos", diz a nota.

Os deputados afirmaram que vão entrar em clima de retaliação: a partir de hoje, vão tentar obstruir todas as votações de interesse do governo no plenário da Alerj até que os bombeiros presos sejam soltos e anistiados. De acordo com a deputada Janira, o grupo conta com o apoio de pelo menos 33 parlamentares que, na semana passada, assinaram manifesto de apoio aos bombeiros.

O deputado Marcelo Freixo disse ainda que vai pedir uma perícia nas cápsulas de fuzil 762 que lhe foram entregues pelos bombeirios. Ele quer saber se as balas partiram de fuzis utilizados por policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) quando entraram no quartel do Corpo de Bombeiros no sábado:

- Se esse tiro for mesmo dos soldados do Bope, penso que é inadmissível agir dessa forma. Ali deveria ter existido uma negociação.

Para promotor, prisão não foi ilegal

A juíza Ana Paula Monte Figueiredo Pena Barros, da Auditoria Militar, recebeu ontem, no fim da tarde, a comunicação de prisão em flagrante dos 439 bombeiros que participaram da invasão do quartel na última sexta-feira. O aviso foi entregue pelo subcorregedor da PM, coronel Ronaldo Menezes. Ainda hoje, a Justiça encaminhará o caso ao promotor Leonardo Souza para que o MP dê seu parecer sobre a legalidade da prisão. Somente depois, a juíza deverá decidir se mantém ou revoga a prisão dos bombeiros. Caso a prisão seja mantida, a Corregedoria da corporação terá 20 dias para concluir o inquérito.

Segundo a assessoria da Polícia Militar, a comunicação demorou em razão do número de envolvidos, uma vez que, para lavrar o flagrante, todos os presos tiveram de ser identificados, qualificados e ouvidos.

O promotor Leonardo Souza, que atua na Auditoria Militar, e acompanhou a prisão dos manifestantes, informou que "não observou nenhum indício de ilegalidade" durante a lavratura do do flagrante dos 439 bombeiros pela Polícia Militar e admitiu que somente a Justiça poderá revogar a prisão em flagrante. Para Leonardo, não há dúvidas de que os bombeiros "cometeram crimes militares".