Título: Brasil reforça aposta na economia peruana
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 08/06/2011, O Mundo, p. 33

Ollanta Humala anuncia equipe de transição de perfil moderado; empresas estrangeiras suspendem investimentos

LIMA. O balé diplomático dá um toque de glamour ao jogo de interesses brasileiros na vida política e econômica peruana. Daí o convite feito na segunda-feira pela presidente Dilma Rousseff ao recém-eleito Ollanta Humala para visitar o Brasil antes mesmo da sua posse na Presidência do Peru, no dia 28 de julho. Ele aceitou e decidiu que Brasília será seu primeiro destino.

Para Humala foi um bálsamo, admitem seus assessores. Mal conseguira dormir por causa da lenta contagem oficial de votos. Depois de confirmada a eleição, assistira ao "Efeito Ollanta" - um terremoto no mercado financeiro, expressão da desconfiança generalizada sobre os rumos do futuro governo.

O presidente eleito reagiu rápido. Apresentou-se como um reformista, pediu calma, fez múltiplos anúncios de fé na democracia e de compromissos com princípios da economia liberal, como o respeito a tratados, contratos e à autonomia do Banco Central. Também indicou uma equipe de transição de governo com expoentes da ala moderada do socialismo peruano. Nela se destaca Oscar Dancourt Masías, que presidiu o Banco Central no governo Alejandro Toledo (2001 a 2006), para quem a "estratégia neoliberal" baseada nas exportações de ouro, prata e cobre está esgotada, e o país precisa avançar na industrialização.

Resultado: ontem a especulação arrefeceu na Bolsa de Lima, que se recuperou (+ 6,8%) parcialmente do desastre (-12,5%) da jornada anterior. Tênue sinal de trégua, logo demonstrou a Southern Copper Corporation, braço de um conglomerado que controla 60% da produção mundial de cobre e detém cerca de 30% do mercado de construção civil na América Latina, excluído o Brasil.

Oscar González, presidente da empresa, anunciou a imediata suspensão de US$2 bilhões em investimentos "até que se saiba como será manejada a economia e a estabilidade jurídica, e se a possibilidade de investir continuará sendo favorável". Outros grupos norte-americanos e europeus fizeram o mesmo, apenas evitaram anunciar.

País vizinho é visto como reserva energética

Destoante é o comportamento das empresas brasileiras, que disputam a liderança em negócios de petróleo, gás, geração de eletricidade e construção civil. Elas mantêm seus planos de duplicação dos investimentos até 2013 no mercado peruano, onde acumulam ativos de valor próximo de US$4 bilhões, cerca de 10% da soma de investimentos estrangeiros. Foram incentivadas pelo governo brasileiro, claramente empenhado em uma aposta em Humala.

Trata-se de um pesado jogo de interesses numa nova fronteira de expansão de negócios ao sul do Equador, cuja economia reluz em crescimento (7% ao ano), baixa inflação (3%) e poucas dívidas (23% do PIB no total, a maior parte em soles, a moeda local).

Na perspectiva brasileira, o Peru é hoje um grande negócio, sobretudo como reserva de energia. Um acordo entre os dois Estados assegura ao Brasil o direito de exploração de metade do potencial hidrelétrico existente na Amazônia peruana pelos próximos 50 anos. Significa garantia de suprimento de eletricidade por meio século, numa área onde é possível produzir energia numa escala equivalente ao dobro da usina de Itaipu. Negócio acima de US$10 bilhões sob controle direto da estatal Eletrobras.

Do lado do Brasil, interpretam seus diplomatas, o Peru de Humala está no alvo de uma operação geopolítica adequada aos limites de uma potência regional. Isso incluiu uma "assistência especial" ao candidato Humala durante a campanha, com participação direta do ex-presidente Lula, mobilização de empresários e de equipes de propaganda do PT.

Para grupos nacionalistas, ativos aliados do presidente eleito, trata-se porém de um novo capítulo da expansão do imperialismo brasileiro. O acordo energético, por exemplo, é percebido como um "mau negócio" na Comissão de Povos, Meio Ambiente e Ecologia do Congresso peruano. Esse organismo, junto a seis das maiores organizações não governamentais das áreas de meio ambiente e direitos humanos, começou uma ação política para a revisão do acordo energético com o Brasil, ainda dependente de ratificação no Congresso nos dois países.

Em documento conjunto, argumentam que o acordo com o Brasil "não deve ser aprovado" porque confronta a Constituição peruana. "Ele põe em risco a segurança energética do país", afirmam, ao estabelecer prioridade às exportações de eletricidade para o Brasil. Além disso, "só admite mudanças depois de 15 anos de vigência". Por fim, citam a "experiência brasileira" na construção de hidrelétricas na Amazônia, "que não é muito favorável em termos ambientais, com violações de direitos humanos".

Crescem os riscos sobre o maior negócio energético do Brasil em andamento na América do Sul. Este será o tema central da conversa de Dilma Rousseff com Ollanta Humala em Brasília, nos próximos dias.