Título: Caos aéreo no Cone Sul
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 08/06/2011, O Mundo, p. 32

Cinzas de vulcão cobrem cidades argentinas, fecham aeroportos e cancelam 51 voos do Brasil

A erupção do complexo vulcânico chileno Puyehue-Cordón Caulle, a cerca de 90 quilômetros da cidade argentina de Bariloche, provocou ontem um verdadeiro caos aéreo - fechando aeroportos na Argentina, no Uruguai e no Paraguai -, além de cancelar voos em países como Brasil, Chile, Peru e Bolívia. A chegada de cinzas vulcânicas ao espaço aéreo de Buenos Aires na madrugada de ontem paralisou durante horas o aeroporto internacional de Ezeiza e o Aeroparque Metropolitano Jorge Newbery. Os voos só começaram a ser reprogramados à tarde. Já os aeroportos das cidades de Rio Gallegos, Bariloche, Ushuaia, Comodoro Rivadavia e Neuquén, na Patagônia, e Bahia Blanca, na região sul da província de Buenos Aires, continuam fechados.

O escritório da Gol em Buenos Aires informou que devido aos reflexos causados pela erupção do vulcão chileno a empresa precisou cancelar 19 voos provenientes das regiões afetadas. Foram suspensas as atividades da companhia em países como Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e na cidade de Foz do Iguaçu. Em Assunção, a chefe de operações do aeroporto Silvio Pettirossi, o mais importante do país, Milciades Fleitas, informou que "a normalização dos serviços dependerá de novas informações". O aeroporto internacional de Carrasco, em Montevidéu, também fechou e, segundo a imprensa local, mais de 90% dos voos no Uruguai foram cancelados.

Nos aeroportos de Ezeiza e Jorge Newbery, os passageiros da TAM, Aerolíneas Argentinas, Austral e American Airlines tiverem de aguardar várias horas até a reprogramação de seus voos. A situação mais crítica, no entanto, é a de cidades do sul do país. A chuva de cinzas vulcânicas isolou a Patagônia do resto da Argentina e segundo a Secretaria de Transportes, "não está prevista a reabertura dos terminais aéreos até que estejam garantidas as condições de segurança necessárias para operar".

Nuvem passou por Uruguaiana

Segundo explicou ao GLOBO o pesquisador da Universidade Nacional de Buenos Aires e do Conicet (principal centro de pesquisa científica do país), Victor Ramos, "o sul argentino poderia enfrentar problemas durante as próximas duas semanas".

- A grande questão é saber se o vulcão terá novas erupções - disse.

Segundo Ramos, "no caso de Buenos Aires, as cinzas não chegaram à superfície e só afetaram o transporte aéreo. Já em cidades como Bariloche, acumularam-se até cinco centímetros de cinza e areia vulcânica".

- Em 1931, a erupção de um vulcão na província de Mendoza provocou chuvas de cinza que chegaram até o Rio de Janeiro - lembrou o especialista em atividade vulcânica.

Ontem, em ruas e casas da cidade de Villa la Angostura, na região sul do país, podiam ser encontrados até 40 centímetros de cinza vulcânica. O governador da província de Neuquén, Jorge Sapag, admitiu que o local está em estado de alerta, mas que não está "vivendo uma catástrofe". Apesar da tentativa do governo provincial de acalmar a população, algumas famílias decidiram abandonar a cidade, assustadas com os apagões e a falta de água.

Pelo Twitter, o casal de cariocas Danusa Campos e Fernando Oliveira relatou o cenário visto em Villa la Angostura, na Argentina: "Acabamos de sair para tirar fotos no lago em frente ao hotel e começou a chover pedra. Isso mesmo. O lago está totalmente cheio delas", contaram.

Em San Martin de los Andes, destino turístico do sul argentino, foi decretado estado de emergência. Com os aeroportos, grande parte do comércio, escolas, universidades e organismos públicos fechados e as estradas com baixa visibilidade, sobretudo à noite, o sul argentino enfrenta uma situação complicada que pode obrigar cidades como Bariloche a reprogramar a temporada de inverno.

- Estamos avaliando essa possibilidade - disse o prefeito de Bariloche, Marcelo Cascón.

No Brasil, a nuvem de cinzas levou ao cancelamento de voos e a descontentamento nos aeroportos. O casal Luiz Carlos e Lucília Cezar teve o voo cancelado de Foz de Iguaçu, no Paraná, para o Rio de Janeiro.

- Os funcionários da TAM nos disseram que o cancelamento foi causado pela nuvem de cinzas e nos ofereceram um ônibus para nos levar até o aeroporto de Curitiba - contou Luiz Carlos.

Pelo menos 30 voos foram cancelados pelas companhias em Foz do Iguaçu e na vizinha Puerto Iguazú, na Argentina. A previsão é que os embarques e desembarques voltem ao normal somente a partir de sexta-feira.

De acordo com a Aeronáutica, as condições meteorológicas permitiram que o terminal operasse normalmente e a opção pelos cancelamentos coube a cada empresa. Nos guichês, os passageiros receberam a informação de que os cancelamentos ocorreram preventivamente por conta da proximidade, no sul do país, da nuvem de cinzas. Durante todo o dia, centenas de pessoas ficaram apreensivas.

- As informações são poucas. A única coisa que dizem é que nos próximos dias a situação pode piorar - comentou a estudante Daiana Neves, que desejava ir para Curitiba.

Juntas, TAM e Gol cancelaram 51 voos entre Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai, por precaução. "Há riscos para a operação de voos nestas rotas", disse a TAM, em nota.

Ontem, a nuvem de cinzas passou pelo Sul do Brasil, na região de Uruguaiana, segundo o pesquisador Marcelo Seluchi, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por duas ou três horas.

- Percebemos em imagem de satélite por volta das 8h. A nuvem estava a uma altura de dez quilômetros. Depois, ela se deslocou para leste, se misturou com nuvem de água e perdemos contato visual - contou.

Segundo Seluchi, resquícios da nuvem vulcânica podem voltar a aparecer no Sul do Brasil e até em São Paulo até amanhã, mas ela pode chegar ao país muito rasa.

- Se houver algum risco, é para a aviação. O impacto para a saúde de uma nuvem a dez quilômetros é baixo, o impacto da poluição que temos hoje é maior - disse Marcelo Seluchi.

COLABORARAM: Marcelle Ribeiro e Fabiula Wurmeister (especial para O GLOBO), de São Paulo