Título: Seria de alto custo a sobrevida de Palocci
Autor:
Fonte: O Globo, 08/06/2011, Opinião, p. 6

Foi infrutífera a tentativa de salvamento do ministro Antonio Palocci, assim como há seis anos se revelara impossível, na fase final do governo Lula, resgatá-lo da crise deflagrada pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, testemunha de visitas do então ministro da Fazenda a uma casa de lobistas em Brasília, alugada por amigos dele de Ribeirão Preto.

À época, o fato de o banco em que Francenildo tinha conta, a Caixa Econômica, ser subordinado ao ministério de Palocci desestabilizou o ministro. Mais tarde, em votação apertada, o STF o inocentaria da acusação de ter ordenado o crime. Porém, ficará nos registros históricos que advogados da Caixa, cujo presidente naquele momento, Jorge Mattoso, assumiu a responsabilidade pela quebra do sigilo de Francenildo, alegaram, na defesa da instituição, que a ordem de devassar as informações bancárias do caseiro partira do gabinete do ministro.

Antes, Palocci soubera responder de forma competente às acusações de atuar em comum acordo com os amigos de Ribeirão. A escandalosa devassa na conta de Francenildo ultrapassou as medidas. Foi um baque, pela importância do ministro, mediador entre o PT, a oposição e a área empresarial, além de responsável por convencer Lula a se comprometer com uma política econômica confiável, e a executá-la na Fazenda. Desta vez, Palocci demorou a responder às informações inicialmente publicadas pela "Folha de S.Paulo" sobre o seu enriquecimento patrimonial, nos últimos quatro anos, na função de "consultor". Na sexta, gravou entrevista ao "Jornal Nacional", levada ao ar à noite, em que defendeu a legalidade formal de sua atuação. Mas esta nunca foi a questão. O essencial era Palocci afastar as pesadas suspeitas de que, mesmo com tudo legal e em dia - firma (Projeto), contratos registrados e impostos -, o ainda deputado pelo PT de São Paulo usara o trânsito no governo Lula, e no partido, para facilitar a vida de clientes. Teria exercido advocacia administrativa, tráfico de influência. O ministro, por não prestar as informações necessárias para afastar as suspeitas - fornecer nomes de clientes, bases dos contratos e remuneração efetiva -, saiu da entrevista ao JN e também à "Folha" em dívida com a sociedade. Até porque, para reforçar a ideia de conflito de interesses entre a atuação política e suas consultorias, ele auxiliou a clientela enquanto conduzia a campanha de Dilma Rousseff, já como pessoa certa de destaque no primeiro escalão de um possível governo da ex-chefe da Casa Civil. E ainda contabilizou metade dos R$20 milhões faturados a partir de 2007 no final do ano passado, quando já era um virtual ministro-chave da gestão Dilma.

As justificativas de Palocci - antecipação de pagamentos de clientes, pelo fechamento da Projeto - também foram inócuas. Palocci ter conseguido algo como um "nada consta" do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, na rejeição pelo MP federal do pedido de oposicionistas para que fosse aberto inquérito contra ele, pode ter ajudado na decisão do afastamento do ministro. Nas circunstâncias, foi melhor assim para o político, governo e PT. Mesmo que amanhã o MP do DF, a quem cabe investigar as evidências de improbidade administrativa - o procurador-geral tratou apenas do aspecto criminal do caso -, venha a comprovar as suspeitas. O custo da manutenção de Palocci crescia para o governo, tendia ao insuportável. Impossível imaginar a preservação de alguém na Casa Civil politicamente vulnerável, fraco, numa administração cuja base parlamentar é uma instável geleia geral, constituída e mantida em boa medida por força do toma lá dá cá da fisiologia. Quem no governo trabalha na coordenação desta base precisa ser forte. Não causou estranheza que logo no início da crise o governo tenha sucumbido sem resistência a pressões da bancada evangélica em torno do material pedagógico sobre a homofobia e, logo em seguida, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), também da base parlamentar, haja feito, em público, uma evidente chantagem com o Palácio usando a perda de substância do chefe da Casa Civil para tentar aprovar emenda constitucional equivocada (piso nacional para policiais e bombeiros).

Também não deve interessar à presidente ter de recorrer com frequência a seu mentor, o ex-presidente Lula, para desatar nós em Brasília atados pela crise das consultorias. A vulnerabilidade de Palocci começara a desidratar Dilma, a quem fora fundamental na campanha, na coordenação da transição e montagem do governo. Mas, depois das entrevistas, nada conspirava mais a favor de Palocci.