Título: Por duas vezes, ele foi de fiador a pavio
Autor: Lima, Maria ; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 08/06/2011, O País, p. 12

Escândalos de quebra de sigilo e de evolução patrimonial abriram debate sobre limites da ética e provocaram quedas de Palocci

BRASÍLIA. O médico sanitarista Antonio Palocci assumiu a Casa Civil no dia 2 de janeiro deste ano prometendo discrição e pregando humildade. Colocou-se como mais um ministro a serviço da presidente Dilma Rousseff e do país. Chegou de mansinho ao Planalto, da mesma forma como retomou a carreira política, em 2007, ao voltar para a Câmara dos Deputados. No Parlamento, fez poucos discursos, teve atuação discreta, mas pegou a relatoria da reforma tributária, por onde começou sua reabilitação no cenário político depois de cair do comando do Ministério da Fazenda, em 2006, no rastro do escândalo da quebra do sigilo do caseiro.

No governo Lula, Palocci foi o poderoso ministro da Fazenda, que transmitia tranquilidade ao mercado, mas acabou em desgraça ao ser denunciado pelo caseiro Francenildo Costa. Ele contou que Palocci frequentava a chamada República de Ribeirão Preto - casa em Brasília alugada por seus assessores na prefeitura do município paulistano. Caiu em março de 2006, acusado de envolvimento na quebra do sigilo bancário do caseiro, que tinha conta na Caixa Econômica Federal, subordinada ao Ministério da Fazenda. Depois, foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.

Lula deu-lhe uma despedida de luxo: na cerimônia de transferência de cargo de Palocci para Guido Mantega na Fazenda, o então presidente não fez menção direta ao episódio que provocou a queda do homem forte da economia. Chamou Palocci de "mais do que irmão" e querido companheiro.

Em 2006, candidatou-se a deputado federal e voltou ao cenário político discretamente. Com aval de Lula, foi coordenar a campanha de Dilma, ganhou força e assumiu a Casa Civil. Na posse, disse que a Casa Civil cumpriria seu papel de assessoramento da presidente e negou que seria o verdadeiro articulador político do governo.

- A Casa Civil não é um ministério autônomo, de ideias e projetos próprios. É um órgão da Presidência dedicado a servir suas determinações e auxiliar no preparo de suas altas decisões - afirmou Palocci, numa posse concorrida.

Conselheiro quase único de Dilma

Na prática, não foi o que aconteceu. Palocci foi o principal articulador político do governo, tirando poderes do ministro Luiz Sérgio, da Secretaria de Relações Institucionais (SRI). Palocci negociava a ocupação dos cargos no governo e articulava os projetos no Congresso. Aliados, depois de passar na SRI, concluíam sua visita ao Planalto no gabinete de Palocci. No PT, não era bem visto, mas tinha trânsito no PMDB, especialmente com o líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

Palocci disse que seria econômico nas entrevistas à imprensa. E foi. Oficialmente, só deu entrevistas na última sexta, ao "Jornal Nacional" e à "Folha de S. Paulo", para falar da evolução de seu patrimônio e do sucesso da Projeto Consultoria, de sua propriedade, que teria faturado R$20 milhões no ano passado. Não costumava divulgar compromissos diários. Na agenda, muitas vezes havia só "despachos internos".

Dilma costumava consultar Palocci sobre as principais decisões. Um ministro do governo passado comentou que a presidente era mais dependente de Palocci do que Lula de Dilma, sua chefe da Casa Civil. Lula tinha outros conselheiros, como Gilberto Carvalho, Luiz Dulci e Franklin Martins. Já Dilma fiava-se só em Palocci.

Apesar da prometida discrição, foi Palocci quem abriu a primeira crise no governo Dilma. Não foi fácil para a presidente admitir a perda de mais um dos três fiéis escudeiros da campanha presidencial. Após a eleição, em encontro do Diretório Nacional do PT, ela confessou que encontrou em Palocci, no então presidente nacional do PT José Eduardo Dutra e no ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, os amigos de todas as horas. Palocci integrava o que Dilma batizou de "os três porquinhos".

Por ser o mais poderoso, Palocci logo assumiu o posto do "Prático", o porquinho que nunca tinha a casa de pedra derrubada pelo lobo mau. Em abril passado, Dutra se afastou da direção do PT por problemas de saúde.

- Os três porquinhos foram muito bem sucedidos na coordenação da campanha. Encontrei neles companheiros de todas as horas - brincou Dilma quando comemorava a vitória.

Antes de começar a campanha, o hoje ministro da Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, era a pessoa mais próxima de Dilma. Quando Pimentel caiu em desgraça com o episódio do dossiê Serra, Palocci tomou conta da campanha. Expert na arrecadação de doações e com trânsito no empresariado, o ex-ministro de Lula era visto como avalista da futura presidente no mercado.

Homem de confiança de Dilma, Palocci coordenou a equipe de transição de governo, com Dutra, Cardozo e o vice-presidente Michel Temer. Para se dedicar totalmente à campanha de Dilma, Palocci e Dutra abriram mão de disputar mandatos no Parlamento. Durante e depois da campanha, Palocci continuou sendo o companheiro inseparável de Dilma nas viagens aos Estados Unidos e à Europa. Aí tornou-se o todo-poderoso do governo Dilma, considerado totalmente reabilitado.

Dilma queria que ele fosse para o Ministério da Saúde, mas o ex-presidente impôs a ida de Palocci para a Casa Civil. Agora, mais uma vez, Lula tentou segurar o antigo companheiro, sem sucesso.