Título: O caminho para se chegar à cidade formal
Autor: Daflon, Rogério; Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 05/06/2011, Rio, p. 22

Especialistas discutem reclassificação de 44 comunidades e listam pré-requisitos para um lugar deixar de ser favela

LIXO AMONTOADO no Morro do Vidigal, uma das ¿comunidades urbanizadas¿, apesar do domínio do tráfico

Numa recontagem, o Instituto Pereira Passos (IPP) deixou de classificar como favelas 44 localidades, que passaram a ser chamadas de ¿comunidades urbanizadas¿. Mas urbanizar só não basta para que uma favela vire um bairro e se integre à cidade. Autoridades, especialistas e representantes da sociedade civil afirmam que o caminho é bem mais longo para qualquer mudança de rótulo. E passa, necessariamente, pela pacificação ¿ com o Estado assumindo o controle da área no lugar de traficantes e milicianos ¿, embora haja outros pré-requisitos importantes nesse processo.

Segundo os entrevistados pelo GLOBO, para deixar de ser favela, uma comunidade deve ser dotada de serviços públicos ¿ como iluminação, redes de água e esgoto e coleta de lixo ¿ semelhantes aos dos bairros no seu entorno. Quanto à urbanização, são fundamentais espaços arejados e amplos acessos, que deem passagem a veículos de serviço. Outro ponto ressaltado é a necessidade do cumprimento de leis de uso e ocupação do solo, que fixem gabaritos e proíbam a expansão horizontal. A garantia aos moradores de educação formal de qualidade e de saúde preventiva também é um dos pressupostos.

¿ A primeira condição para um lugar deixar de ser favela é o Estado retomar para si o território. Mesmo com equipamentos acima da média, sem o controle do território, o local continuará como favela ¿ diz o economista Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE.

Por esse critério, o Morro do Vidigal, dominado por traficantes, e a Favela Fernão Cardim, em Pilares, controlada por uma milícia, não teriam deixado de ser favelas na nova classificação da prefeitura ¿ revelada pelo GLOBO domingo passado.

]A segunda condição para uma favela virar bairro, frisa Besserman, é que a lei volte a imperar nas relações econômicas, sociais e urbanas:

¿ É preciso ter licença para construir, e gabaritos têm de ser criados e respeitados ¿ diz ele. ¿ Uma terceira condição são serviços públicos e infraestrutura em níveis aceitáveis.

O presidente regional do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Sérgio Magalhães, vê um avanço no fato de as favelas serem avaliadas, como fez o IPP. Mas enfatiza que, para um lugar deixar de ser favela, deve contar com serviços públicos similares aos de bairros vizinhos.

¿ A Rocinha necessita de serviços do padrão encontrado na Gávea e em São Conrado ¿ exemplifica Magalhães. ¿ Como os bairros são diferentes, esses serviços vão variar. Na Penha, você não tem o que se vê em Botafogo. Mas quantas vezes por semana a Comlurb recolhe o lixo em ruas de Botafogo? A Comlurb tem que passar, com a mesma periodicidade, nas ruas do Dona Marta.

A semelhança com o asfalto inclui a segurança, diz o presidente do IAB-RJ:

¿ Se Copacabana e Ipanema não têm bandido armado ostensivamente nas ruas, Cantagalo e Pavãozinho não podem ter.

O vice-governador e secretário estadual de Obras, Luiz Fernando Pezão, diz que a pacificação também é condição para a favela ser bairro. Mais que isso:

¿ As obras andam mais rapidamente quando há paz num lugar. Foi assim no Complexo do Alemão (onde são realizadas obras do PAC, que começaram antes da ocupação) .

Professor defende políticas comuns para favela e asfalto

Para Pezão, uma grande dificuldade para integrar a favela ao asfalto é a falta de acesso:

¿ Nesse aspecto, o teleférico do Alemão, que inauguraremos em julho, será uma revolução.

Já o professor de sociologia da PUC Marcelo Burgos destaca que deve haver uma agenda de políticas públicas que ultrapasse o conceito de favela. A ideia é criar parâmetros mínimos de qualidade aplicados tanto às favelas quanto ao asfalto:

¿ Numa cidade olímpica, temos de saber quais são os direitos urbanos básicos que vão valer para todas as áreas, sejam favelas, conjuntos habitacionais, assentamentos ou bairros.