Título: Nicotina contra a obesidade
Autor: Baima, Cesar
Fonte: O Globo, 10/06/2011, Ciência, p. 36

Estudo revela como o fumo inibe a fome no cérebro e abre caminho para novas drogas

INDIANO COM cigarro artesanal: apesar dos riscos à saúde, muitos fumantes não largam o hábito por medo de engordarem

Otabagismo é uma das principais causas de morte precoce no mundo, contribuindo para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, respiratórias e câncer, mas muitos fumantes não largam o cigarro por medo de engordarem. Agora, porém, uma nova descoberta pode ajudar na criação de drogas que não só combatem o vício como também a obesidade. Cientistas das escolas de Medicina de Yale e do Baylor College, nos EUA, identificaram em camundongos as áreas do cérebro ativadas pela nicotina que atuam como supressoras do apetite sem, no entanto, agir sobre os sistemas de recompensa do organismo.

O estudo, publicado na edição de hoje da revista ¿Science¿, mostra que a nicotina se une a receptores específicos no cérebro que, por sua vez, ativam um pequeno grupo de neurônios no hipotálamo conhecidos como pró-opiomelanocortina (POMC) e um dos responsáveis pela sensação de saciedade. Ao todo, os receptores de nicotina no cérebro têm 15 diferentes subtipos e é a combinação destas associações que produz efeitos como aumento da pressão sanguínea, a compulsão por tabaco, relaxamento e prazer.

¿ O receptor que identificamos também é encontrado no cérebro humano e tem função similar sobre o apetite ¿ explica Yann Mineur, pesquisador associado de Yale e um dos autores do artigo na ¿Science¿. ¿ Assim, compostos semelhantes à nicotina podem ser usados para ativar esse receptor, ajudando a modular o consumo de alimentos dos fumantes que querem abandonar o tabaco.

Caminhos distintos na química cerebral

O efeito inibidor do apetite da nicotina já era conhecido desde 1982, mas acreditava-se que ele estava ligado ao sistema de recompensa do cérebro, que não faria distinção entre o prazer de fumar e de comer uma boa refeição. A pesquisa, porém, revelou que o caminho tomado pela nicotina na química cerebral para levar à sensação de saciedade é distinto do que leva à de prazer e, em última instância, ao vício.

¿ Identificar esse receptor específico e como ele age sobre os neurônios abre as portas para novas formas de combater não só o tabagismo como a obesidade ¿ avalia Mineur. ¿ Mas ainda temos muita pesquisa pela frente. A nicotina não provoca uma resposta única no cérebro e não podemos esperar uma droga milagrosa contra a obesidade com base nela. Há muitos efeitos colaterais em potencial e também são muitos os processos no cérebro envolvidos com os hábitos alimentares.

O cientista descobriu a possível diferença nos caminhos da nicotina na química cerebral enquanto estudava um potencial medicamento antidepressivo que atua sobre os receptores da substância no cérebro. Ele notou que os camundongos que recebiam o remédio comiam menos e decidiu investigar o porquê disso. Os animais que tomaram a droga consumiram apenas metade do alimento dado aos que não a receberam nas duas horas seguintes à sua administração e apresentaram uma queda de 15% a 20% na gordura corporal em um período de 30 dias.

¿ Antes deste estudo, não achávamos que este tipo de receptor teria um papel tão importante no consumo de alimentos ¿ reconheceu a neurocientista Marina Picciotto, chefe do laboratório de Yale onde Mineur trabalha e outra autora do artigo publicado na ¿Science¿. ¿ Infelizmente, provamos que fumar realmente nos deixa mais magros, mas nosso objetivo final é ajudar as pessoas a manterem seu peso quando abandonam o hábito e, talvez, auxiliar os não fumantes que lutam contra a obesidade ¿ acrescentou ela, lembrando que não parar de fumar por causa do medo de engordar é uma decisão ineficaz, pois o fumo provoca mais problemas de saúde do que a obesidade.