Título: Brasil Foods já admite acordo com o Cade
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 10/06/2011, Economia, p. 25

Especialistas dizem que solução passa necessariamente pela venda de uma das marcas

Patrícia Duarte, Martha Beck e Ronaldo D"Ercole

BRASÍLIA e SÃO PAULO.

Acuada pelo voto desfavorável do relator do processo à fusão das marcas Sadia e Perdigão, a BRF Brasil Foods não perdeu tempo e começou ontem mesmo a procurar os demais membros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para tentar fechar um acordo que garanta a operação. A empresa mudou assessores e contratou a LCA Consultoria ¿ fundada pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho ¿ para ajudar nas negociações. Dificilmente, a solução evitará a venda de uma das marcas principais, Sadia ou Perdigão, ou de produtos líderes, avaliam especialistas.

De acordo com fontes próximas ao assunto, a empresa sinalizou que entregará uma proposta na próxima semana, mas ainda não indicou o desenho. O trabalho de convencimento dos demais quatro conselheiros que ainda precisam votar não será fácil, porque, em linhas gerais, concordam com a avaliação feita pelo relator Carlos Ragazzo, que votou contra.

Com um voto de mais de 500 páginas, Ragazzo fez uma dura avaliação sobre a fusão, afirmando que será prejudicial à concorrência e terá severas consequências para o consumidor. Isso porque, argumentou, a concentração de mercado ultrapassa 80%, dependendo do segmento. Após a leitura do voto, que durou cinco horas, o conselheiro Ricardo Ruiz pediu vista, mas antes elogiou o voto do colega.

Para uma fonte ligada ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), dificilmente a operação será fechada sem a venda ou o licenciamento de das marcas Sadia ou Perdigão. Especialistas em defesa da concorrência concordam. O advogado Sérgio Bruna, do escritório Lobo & Rizza, disse que qualquer iniciativa terá que envolver marcas conhecidas pelos consumidores como ocorre com as margarinas, onde há participação de 60%. A BRF é dona, por exemplo, dos nomes Doriana, Qualy e Becel.

Segundo o ex-presidente do Cade e ex-secretário de Direito Econômico Rui Coutinho, a proposta da BRF de alienar marcas menos conhecidas, como a Excelsior Alimentos, foi equivocada:

¿ Isso pode ter sido visto como uma manobra diversionista, pois a empresa sabe que o Cade iria querer a venda de marcas significativas e de peso no mercado ¿ disse Coutinho.

Boatos de preparação para uma batalha judicial

Coutinho disse que, no meio empresarial, circularam boatos ontem de que a BRF já estaria se preparando para uma ação judicial. Embora queira resolver o assunto administrativamente, a empresa quer garantir o negócio.

¿ Ela tem o argumento de que a fusão traz ganhos líquidos para a economia ¿ afirmou Coutinho.

Para Marcelo Calliari, da Tozzini Freire Advogados, no entanto, a negociação no Cade seria positiva para os dois lados, pois há atos de concentração há anos na Justiça, o que provoca um desgaste para empresas (queda nas ações e perda de valor) e SBDC. Outro agravante, segundo Sérgio Bruna, é o fato de a BRF ter sido constituída com o patrocínio do BNDES. Ainda assim, o governo analisa que a estratégia adotada pelas empresas (Sadia e Perdigão) durante o processo, iniciado em 2009, foi "desastrosa" porque foram intransigentes ao insistir que a fusão poderia ocorrer sem restrições.

A BRF já sentiu isso. A mudança de estratégia incluiu uma readequação da equipe que a apoia. Segundo fontes, o consultor econômico Jorge Fagundes, da Fagundes Associados, foi afastado das negociações e trocado por Bernardo Macedo, da LCA. Macedo é tão bom tecnicamente quanto Fagundes, mas tem personalidade muito mais fácil, afirmam as fontes.

Por meio da assessoria de imprensa, a BRF informou que não está mudando a equipe de consultores, mas que, ao longo do processo, o trabalho da LCA foi agregado como complemento.