Título: Chávez desafia
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 10/08/2009, Mundo, p. 14

Presidente venezuelano denuncia incursão colombiana e insiste para que Álvaro Uribe ¿dê as caras e debata¿ a cessão de bases militares aos Estados Unidos

Quase em tom de desafio, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, voltou a insistir para que o colega Álvaro Uribe mude de ideia, vá hoje a Quito para a breve reunião de cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e explique o acordo militar que a Colômbia está fechando com os Estados Unidos. A cessão de sete bases colombianas para operações militares norte-americanas causou incômodo na vizinhança, em diversos níveis, e deve dominar as conversas entre os chefes de Estado, mas corre o risco de ficar de fora da declaração final ¿ justamente pela ausência de Uribe. Chávez desembarca na capital equatoriana depois de ter recebido em Caracas delegações da oposição colombiana. Na noite de ontem, em seu programa de TV Alô, presidente, ele denunciou uma incursão de militares colombianos em território venezuelano, incidente sobre o qual o governo de Bogotá não se pronunciou de imediato..

¿Convoco mais uma vez o presidente Uribe a ir à cúpula, dar as caras para nos sentarmos e conversarmos sobre as bases americanas na Colômbia¿, disse Chávez depois de receber na noite de sábado, no Palácio de Miraflores, uma delegação do Polo Democrático, que agrupa a esquerda civil colombiana. Na véspera, ao fim de uma reunião com a senadora opositora Piedad Córdoba e outros integrantes do movimento Colombianos pela Paz, o presidente venezuelano se dispôs a levar para a Unasul a questão ¿ até porque Bogotá apresenta o ¿terrorismo¿ (a guerrilha) como um dos alvos da cooperação militar com os EUA.

¿O que Uribe fez não é pouca coisa, é uma traição aos acordos que celebramos, à esperança de unidade sul-americana¿, prosseguiu Chávez após o encontro com o Polo Democrático, censurado pelo governo Uribe por ensaiar uma ¿diplomacia paralela¿. Embora tenha anunciado o retorno de seu embaixador a Bogotá, menos de duas semanas após chamá-lo para consultas, o presidente esclareceu que as relações bilaterais seguirão congeladas, e frisou que a missão do representante venezuelano será respaldar iniciativas pelo diálogo no país vizinho. A senadora Piedad Córdoba aderiu prontamente à proposta do anfitrião para reagir às bases americanas estabelecendo ¿bases de paz¿ em território colombiano, e anunciou a disposição de que a primeira seja criada no departamento de Meta, um dos centros nervosos da ofensiva militar contra a guerrilha.

¿Traição¿ foi também a palavra escolhida pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para se referir ao acordo militar em negociação entre o governo Uribe e a Casa Branca. A guerrilha se dirigiu aos Colombianos pela Paz e à oposição civil propondo um ¿grande acordo nacional¿ com vistas à eleição presidencial de 2010, para agrupar os partidários do diálogo contra os ¿guerreiristas¿ ligados ao uribismo. Novamente, houve coincidência de vocabulário entre as Farc e Chávez, que usou o termo para atribuir aos ¿setores guerreiristas do Pentágono¿ a iniciativa de ¿incrementar a presença militar¿ na Colômbia. Além de uma ¿ameaça de invasão ianque¿, tema no qual insistiu com os opositores de Uribe, o presidente venezuelano acusa de tentarem ¿colocar uma cunha no processo de integração sul-americano¿, referência clara à Unasul e ao Conselho de Defesa Sul-Americano, criados em 2008.

Explicações Álvaro Uribe, último governante da região a aderir ao conselho, trocou a cúpula de Quito por uma turnê pessoal que o levou a sete países vizinhos, terminando pelo Brasil. Além de procurar tranquilizar os governos sobre o alcance das operações militares americanas com base na Colômbia, Uribe apresentou seus motivos para não ir ao encontro da Unasul. E aproveitou para reprovar discretamente Rafael Correa, que rompeu relações com a Colômbia há pouco mais de um ano, mas mesmo assim aceitou a presidência pro-tempore do organismo. Segundo a imprensa colombiana, o presidente lembrou aos parceiros que ele próprio declinou da posição, quando cabia a seu país, justamente porque tinha problemas com o Equador e a Venezuela. O jornal El Tiempo, de Bogotá, citando fontes da delegação que acompanhou Uribe, diz que Lula teria respondido que ¿apenas os humildes¿ seriam capazes desse gesto.

Poder espiritual Rafael Correa será empossado hoje para o segundo mandato como presidente do Equador, mas ontem recebeu de um xamã indígena um objeto sagrado de poder, durante cerimônia tradicional. Na solenidade formal, além dos colegas sul-americanos, Correa receberá convidados ilustres do bloco bolivariano que seu governo integra, começando pelo presidente cubano, Raúl Castro, e pelo nicaraguense, Daniel Ortega.

Golpe em Honduras » O governo de fato instalado em Honduras após o golpe militar contra o presidente Manuel Zelaya vetou ontem o envio ao país de uma missão de chanceleres articulada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). O presidente interino, Roberto Micheletti, não é reconhecido pela OEA, que suspendeu Honduras do organismo. A crise no país centro-americano deve ser objeto de uma declaração da cúpula da Unasul reiterando a exigência de que Zelaya seja reconduzido incondicional e imediatamente ao poder.