Título: Chefe do Ibama rejeita rótulo de carimbador
Autor: Oswald, Vivian; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 12/06/2011, Economia, p. 39
No órgão há 20 anos, Trennepohl diz que a decisão de conceder licença a Belo Monte tem respaldo técnico
BRASÍLIA. Assim que recebeu o tão esperado relatório técnico que serviria de base para a concessão da licença de instalação das obras da Usina de Belo Monte, na tarde da sexta-feira, 27 de maio, o presidente do Ibama, Curt Trennepohl, não pareceu se preocupar com o tempo. Naquele dia, após seis meses de expectativa e polêmica, o governo estava com tudo preparado para o anúncio da mega-hidrelétrica. A empresa responsável pelo projeto tinha equipes em campo aguardando o sinal verde. Mas este gaúcho de fala mansa, especialista em Direito Ambiental, não se abalou. Agarrou-se aos documentos e carregou-os para casa.
Não por desconfiança de vazamento da informação, mas porque queria esmiuçar linha por linha antes de chancelar a autorização, que só sairia quatro dias depois. Ex-procurador e corregedor do Ibama, autor do livro "Infrações contra o meio ambiente: multas e outras sanções administrativas", considerado entre os servidores do órgão "a bíblia dos fiscais", conseguiu aplacar as pressões políticas do Executivo, que nega ter sofrido, e tranquilizar a equipe reduzida de técnicos. Dois antecessores seus caíram durante a batalha por Belo Monte.
"Acompanhar condicionantes vai dar trabalho", diz
Os críticos de Curt dizem que ele foi posto ali apenas para "carimbar" a licença. Chamam-no de burocrata, dada à sua longa permanência no Ibama, onde ocupa vários postos desde 1990. Ele, porém, assumiu o comando do órgão em janeiro dizendo que não daria a licença naquele dia e, nos meses que se seguiram, não se comprometeu com datas. Agora, vai mais longe:
- O acompanhamento das condicionantes vai dar mais trabalho do que a própria análise da licença. Se percebermos que as condicionantes não estão sendo cumpridas, cassamos, sem sombra de dúvida. E isso já ocorreu outras vezes - garantiu ao GLOBO em seu gabinete, no campus do Ibama em Brasília.
Quem trabalha com Curt vê no fumante inveterado, que não perde a oportunidade para a pausa do cigarrinho no pátio vizinho à sua sala, um workaholic meticuloso.
- Na gestão do Curt houve um resgate da credibilidade dos técnicos. Por ter sido procurador, valoriza a parte técnica. Tudo tem que estar muito bem instruído. Nas gestões passadas, os técnicos estavam desacreditados. O espírito dele é o de incluir mais o técnico na tomada de decisões. A gente se sente mais parte das decisões. Ele está dividindo mais o barco, não está tocando tudo sozinho - disse um técnico da diretoria de licenciamento, área que, em anos recentes, foi foco de embates com as decisões da presidência em casos como o aval às usinas do Rio Madeira.
- Ele é o currículo de maior qualificação. Sempre dominou a área técnica e jurídica. Ele passa muita segurança. Sempre foi fiel à causa ambiental, especializou-se, estudou a fundo. Ele não está aqui para apagar fogo. Ele quer oxigenar um processo de renovação, de melhoria do atendimento que o Ibama presta à sociedade - afirmou Carlos Fabiano Cardoso, coordenador-geral de Recursos Florestais.
A concessão da licença de Belo Monte, porém, despertou a fúria de ambientalistas e o tornou alvo de intimidação do Ministério Público, que o ameaçou com ações de improbidade administrativa. Nilo D"Ávila, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, é feroz:
- Muito impressionante o espírito de servidão (dele), a ajuda que está dando em transformar o Ibama num cartório em vez de órgão licenciador - ataca, ao criticar Curt, que teria sido um dos responsáveis pelo sistema de licenciamento e saberia exatamente a diferença entre pré-condicionantes e condicionantes e, ainda assim, liberou as obras.
Curt admite que o embate com o MP levou-o a retardar a decisão:
- Sei bem os efeitos de uma ação de improbidade. Não mereço correr o risco de ser acionado e, cinco anos mais tarde, depois de inocentado, ser apontado pelos colegas dos meus netos como o presidente do Ibama afastado. Nossas decisões têm embasamento técnico.
Número de técnicos foi ampliado para 400
Passado o turbilhão Belo Monte, Trennepohl afirma que a legislação ambiental tem "lacunas e obscuridades" que precisam ser revistas para agilizar os 1.675 processos de licenciamento pendentes no órgão e dar justamente mais segurança jurídica aos técnicos e empreendedores.
Ex-ativista, já chegou a abraçar árvores para impedir que fossem derrubadas. Hoje, afirma que é preciso ter a visão de conjunto. Proteger o meio ambiente, sem frear o crescimento.
- Qualquer interferência humana no meio ambiente causa danos e o Ibama está ali para minimizá-los. Não tem jeito. De hidrelétricas, reclamam. Térmicas, é pau. Nuclear, então... Só se eu abrir uma fábrica de velas - brinca.
Desde que assumiu o cargo, conseguiu fortalecer a área que atualmente é a mais demandada, o licenciamento. Aumentou a equipe de 280 para 400 técnicos, dos quais 60 foram contratados este ano com a autorização da presidente Dilma Rousseff, apesar do contigenciamento.
- O Ibama é um órgão de preservação. Mas não nos cabe impedir o crescimento - diz ele.
Aposentado desde abril, Curt poderia aproveitar para descansar depois de 22 anos de casa e assistir ao concerto do violinista e maestro holandês André Rieu, de quem é fã de carteirinha. Aceitou o desafio de comandar o Ibama já com seu ingresso e o da mulher comprados. E afirma ter aceito o convite por acreditar que pode trazer mudanças "à sua casa", onde diz se sentir "à vontade":
- Não sou político. Sou um neófito na Esplanada, mas estou muito consciente do que vim fazer. Sabia exatamente o trabalho que me esperava.
Apesar dos percalços, garante que Belo Monte está longe de ter sido sua maior dor de cabeça no Ibama.
- Não vejo Belo Monte como um problema. Não foi um divisor de águas na minha carreira. Foi um trabalho complexo, como já tive outros e terei mais para frente. Como corregedor, enfrentei situações bem mais desgastantes e constrangedoras - conclui o técnico, primeiro servidor a usar um colete escrito "fiscal", feito em casa, que depois serviu de modelo para o institucional:
- Ainda o tenho guardado comigo.