Título: A prefeitura comprou prédios para transformá-los em habitação social
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 12/06/2011, Rio, p. 28
Vice-prefeita de Paris, Anne Hidalgo diz que a solução proposta pelos grandes arquitetos é misturar a população e não afastar as classes de baixa renda para as periferias ou para as favelas
A VICE-PREFEITA de Paris, Anne Hidalgo: colaboração para Olimpíadas
PARIS. Afastar as classes populares para fora da cidade ou concentrá-las num lugar ¿ como nas favelas ¿ é uma receita explosiva: gera violência e perdas para a economia local. Quem diz isso é Anne Hidalgo, vice-prefeita de Paris e candidata mais cotada para assumir o comando da cidade em 2014. Em entrevista ao GLOBO, em Paris, ela conta como a capital francesa, uma das mais caras do mundo, decidiu apostar na ¿mixité¿ (mistura social) e está levando as classes populares de volta para as regiões centrais.
Hidalgo diz que Paris está colaborando com o Rio visando aos Jogos de 2016 ¿ a capital francesa foi candidata a sediar os jogos de 2012, mas perdeu para Londres. Conhecedora da realidade das favelas cariocas, a vice-prefeita diz que é fundamental manter moradores de baixa renda nas áreas mais nobres das metrópoles, e, por isso mesmo, mais inacessíveis a esses cidadãos. Hidalgo revela que em Paris já existe um sistema de cotas que obriga os construtores a destinarem parte das unidades à classe média baixa.
O que Rio e São Paulo podem aprender com Paris?
ANNE HIDALGO: O ateliê de urbanismo de Paris, que eu presido, trabalha com o Rio neste momento, sobretudo na reforma dos bairros para os Jogos Olímpicos. O Rio quis aproveitar o enorme trabalho que fizemos para a candidatura de Paris aos Jogos de 2012, que perdemos para Londres. A ideia era que todas as modificações nos bairros permanecessem depois dos Jogos.
Que outras experiências podem ser aproveitadas?
HIDALGO: Fizemos um trabalho com arquitetos para o projeto Grande Paris (lançado em 2007 pelo presidente Nicolas Sarkozy, com o objetivo de fazer de Paris uma metrópole mais competitiva). Reunimos dez equipes internacionais de arquitetos, pluridisciplinares, sob a direção de Christian de Portzamparc. Havia arquitetos como Richard Rogers (inglês que projetou o centro Georges Pompidou junto com o italiano Enzo Piano). Em nove meses de trabalho, eles revolucionaram o pensamento urbano. A solução dos arquitetos é que se deve misturar tudo. Em Paris, nos inspiramos muito nisso.
O que eles criaram de tão revolucionário?
HIDALGO: Eles trouxeram a ideia de que Paris tem que ser mista em todos os sentidos. Primeiro, socialmente. Uma cidade precisa de operários para poder funcionar. Não podemos colocar os empregados e os operários que são úteis ao funcionamento da cidade morando a 50 quilômetros de Paris. Em Paris, pessoas que moram em habitações sociais são instrutores, enfermeiros, assistentes de saúde, são classes médias baixas. Cerca de 70% dos parisienses preenchem as condições para obter habitação social. Há lixeiros, pessoas que se ocupam de nossos filhos nas creches, motoristas de ônibus, de metrô.
E se todo esse pessoal fosse para a periferia?
HIDALGO: A cidade não funciona¿
O que vocês estão fazendo para manter as classes mais baixas em Paris?
HIDALGO: Decidimos que cada habitação nova construída tem que ter obrigatoriamente 50% de habitações sociais, e o resto privado. É o que estamos fazendo, por exemplo, em Clichy Batignolles (área ferroviária na fronteira de Paris, que será transformada em bairro) e no norte de Paris. Além disso, no centro de Paris, cada vez que há uma construção nova, impomos a todos os construtores privados que 25% dos apartamentos têm que ser sociais. No início, eles não estavam contentes. Mas agora entenderam que este é o preço que têm que pagar para construir em Paris. E quando o prédio é bem pequeno, nós deixamos o empreendedor acumular os 25% para depois construir um prédio para habitação social. No 15º Arrondissement (bairro em Paris), há um prédio novo onde uma parte foi vendida muito cara, mas uma outra entrada do prédio dá para habitações sociais: é a única diferença, pois a fachada do prédio é a mesma.