Título: MST contra ação do DEM
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 11/08/2009, Política, p. 4

Cerca de três mil integrantes do movimento miram projeto que altera padrões para desapropriação de terras

Militantes montaram acampamento em área ao lado do Mané Garrincha. Há marcha prevista para a semana

Numa mobilização chamada de Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, que ocorre em todas as capitais do país, cerca de 3 mil sem-terra e integrantes da Via Campesina chegaram ontem a Brasília com uma pauta bem definida. Além da reivindicação genérica de assentamento das 90 mil famílias que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) hoje acampadas nas cinco regiões brasileiras, a militância vai mirar em um projeto de lei recém-aprovado, em caráter terminativo, na Comissão de Agricultura do Senado. A matéria, cuja relatora é a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), modifica os índices de produtividade que hoje servem de parâmetro para desapropriação de terras e transfere do Executivo para o Legislativo a incumbência de atualizar tais indicadores.

Durante a votação, na terça-feira passada, a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) tentou reformar o projeto, mas teve as quatro emendas apresentadas derrubadas. Amanhã, ela coletará assinaturas de oito parlamentares, além da própria, para apresentar um recurso contra a tramitação da matéria, que está pronta para ser encaminhada à Câmara dos Deputados para a última análise. ¿Pediremos que seja submetida ao plenário, pelo menos. É estranho que uma proposta dessa não passe nem pela Comissão de Constituição e Justiça¿, destacou a senadora. A estratégia de Serys será derrubar o projeto no plenário, onde a articulação da bancada ruralista, pelo menos no Senado, não é tão forte. A senadora Kátia Abreu, que conseguiu aprovar a matéria na forma de um substitutivo, não foi localizada pela reportagem.

Para Cedenir de Oliveira, da coordenação nacional do MST, o ponto mais preocupante da proposta diz respeito à definição do Legislativo na tarefa de atualizar os índices de produção, intocados desde 1975. ¿Queremos que permaneça com os ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Agrário porque são indicadores técnicos, que precisam de uma análise técnica. Ao remeter a atividade ao Legislativo, querem transformá-la numa discussão política, com o apoio dos latifundiários, cuja força é enorme no parlamento¿, destaca Cedenir. De acordo com ele, há cerca de dois anos uma portaria com a revisão dos índices de produtividade está pronta para ser assinada pelo ministro da Agricultura. ¿Mas sabemos do conchavo desse ministério com o agronegócio¿, critica o coordenador do MST. A pasta foi procurada mas não soube informar detalhes sobre o andamento da portaria.

Bloqueio Outro item da pauta de reivindicação dos sem-terra em Brasília é o contingenciamento de recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). ¿Com a justificativa da crise, o governo bloqueou R$ 800 milhões que serviriam para a identificação e desapropriação de terras no país¿, reclama Cedenir. Segundo ele, a tarefa do movimento em Brasília será cobrar mais recursos para viabilizar o assentamento de famílias acampadas e também para auxiliar os integrantes do movimento que já estão com um pedaço de chão mas sofrem com a falta de infraestrutura. ¿Não adianta só ter o dinheiro desbloqueado, se não aplicarmos bem, beneficiando quem realmente precisa¿, destaca.

Enquanto os sem-terra acampam no Estádio Mané Garrincha, marchas são realizadas Brasil afora no protesto batizado de Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária. De acordo com a assessoria do MST, a alimentação, os ônibus e as barracas usados pelos militantes em Brasília são custeados pelas coordenações estaduais. Banheiros e a área para acampamento foram cedidos pelo Governo do Distrito Federal. Ontem, às 19h, houve o lançamento oficial da mobilização, que se estenderá até sexta-feira, com a presença de alguns políticos e militantes de outras entidades sociais que apoiam o MST e a Via Campesina. Uma marcha está prevista para esta semana na Esplanada dos Ministérios, ainda sem dia definido.

Regras atuais Os índices de produtividade se balizam em dois parâmetros gerais: o grau de utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE). Hoje, para a terra ser considerada improdutiva pelo Incra, portanto passível de desapropriação, o GUT deve estar abaixo de 80% e o GEE, de 100%. O projeto aprovado por nove dos 16 senadores da Comissão de Agricultura extingue o GUT da avaliação.

É estranho que uma proposta dessa não passe nem pela Comissão de Constituição e Justiça

Serys Slhessarenko, senadora (PT-MT)

Reivindicações

Assentamento imediato das 90 mil famílias integrantes do MST que vivem acampadas no Brasil

Investimentos em infraestrutura para 45 mil famílias que estão assentadas

Atualização dos índices de produtividade, intocados desde a década de 1970, que servem de parâmetro para o Incra e outros órgãos avaliarem se a terra é ou não passível de desapropriação

Descontingenciamento de R$ 800 milhões do orçamento do Incra

Repasses generosos

Apesar de vir a Brasília reivindicar o descontingenciamento de recursos alocados no Incra, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não pode reclamar. Dados do Portal da Transparência noticiados pelo Correio há menos de um mês apontam crescimento de quase 20% no volume de repasses federais para instituições ligadas aos sem-terra. De janeiro a junho, as transferências somaram R$ 4,76 milhões, contra R$ 3,99 milhões no mesmo período de 2008. A maior parte foi por meio de convênios com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Embora fundado há 25 anos, o MST não existe juridicamente nem nos registros da Receita Federal. Por isso, não pode receber recursos da União. O fato de participar de invasões de terras também impede o acesso a verbas. Com isso, entidades comandadas por pessoas ligadas ao movimento se proliferaram desde o início do governo Lula. De 2003 até junho, cerca de 40 delas receberam mais de R$ 150 milhões. (RM)