Título: Juros e câmbio
Autor: Batista JR., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 11/06/2011, Opinião, p. 7

Quero falar um pouco de juros e câmbio outra vez. Bem sei, leitor, que este é um tema batido, esgotado, exausto. Sempre que há um aumento da taxa de juro, o setor industrial protesta; os sindicatos de trabalhadores reclamam; o setor financeiro sorri de orelha a orelha; os economistas divergem etc., etc. E tudo segue como antes. Nessa rotina, a única variação é que, às vezes, a insaciável turma da bufunfa reclama que os juros precisariam ser ainda mais altos...

Há anos, o Brasil convive com uma combinação de juros muito elevados e câmbio valorizado. Instalou-se um clima de resignação. Não deve haver dúvida, entretanto, de que essa combinação de juros e câmbio danifica seriamente o desempenho da economia, ameaça a estabilidade das contas externas e, sobretudo, a base industrial do país.

Muitos falam em "desindustrialização". Pode ser exagero ou alarmismo, mas parece difícil negar que o real superforte - que resulta em parte dos juros internos - está solapando a competitividade internacional da economia brasileira, em especial do setor industrial. Não há ganho de produtividade ou eficiência que possa compensar tamanha valorização do real. A produção brasileira perde espaço no exterior; as importações ganham espaço no mercado interno. Em vez de produtos industriais, o país passa a exportar empregos. Ao mesmo tempo, crescem as despesas externas com serviços. Turismo, por exemplo. Brasileiros viajam cada vez mais ao exterior, enquanto o Brasil vai se tornando mais caro para os estrangeiros.

As estimativas de taxa de câmbio efetiva real (considerando uma cesta de moedas relevantes) mostram que a moeda brasileira está entre as mais fortes do mundo. É o que se verifica nos levantamentos periódicos do Banco Central e da Funcex, por exemplo. Os cálculos de "desalinhamento" cambial do FMI confirmam que o real está sobrevalorizado. Sabe-se que essas quantificações podem ser questionadas. Mas, no caso da moeda brasileira, a trajetória de valorização é tão forte que os números não deixam margem a muitas dúvidas.

Com a última decisão do Copom, a taxa básica de juro foi a 12,25%. O diferencial nominal de juros entre o Brasil e os EUA alcança agora nada menos que 12 pontos percentuais. Em relação à zona do euro, o diferencial chega a 11 pontos percentuais; em relação ao Japão, mais de 12 pontos.

Segundo o relatório Focus do Banco Central, a expectativa mediana de mercado para a inflação medida pelo IPCA está em 5% para os próximos doze meses. A taxa básica real "ex ante" subiu, portanto, para quase 7% no Brasil.

Não há nada de comparável no resto do mundo - pelo menos não nas principais economias. Na grande maioria dos países, quando se desconta a inflação esperada, as taxas de curto prazo são negativas. Para um conjunto de 40 moedas, a taxa média é negativa em 0,9%, segundo levantamento da Cruzeiro do Sul Corretora. Em todas as economias desenvolvidas, com exceção da Austrália, os juros básicos são atualmente negativos em termos reais.

Com essa discrepância entre os juros brasileiros e os do resto do mundo, é muito mais difícil evitar que o real permaneça forte demais. Além disso, juros básicos elevados aumentam o custo da dívida pública e de carregamento das reservas internacionais.

O que fazer? O fundamental é mudar a composição da política macroeconômica. O governo vem tentando fazer exatamente isso: substituir, em parte, a taxa básica de juro por outros instrumentos. Refiro-me às medidas de ajuste das contas públicas, de restrição ao crédito e de controle da entrada de capitais. O ajuste fiscal e a restrição do crédito permitem depender menos do aumento dos juros básicos, diminuindo a pressão sobre o câmbio. O IOF e outras medidas para conter o influxo de capital externo têm a dupla vantagem de diminuir a oferta de dólares e contribuir para conter a expansão do crédito e da demanda interna. Parece necessário intensificar o uso desses outros instrumentos para que a taxa básica de juro brasileira não se distancie tanto das praticadas nos outros países.

O governo tem interesse, claro, nas vantagens que o real forte traz para o controle da inflação no curto prazo. Estará suficientemente atento aos problemas produzidos pela combinação duradoura de juros escorchantes e câmbio valorizado? A experiência, tanto brasileira como internacional, mostra que é perigoso depender demais do câmbio como instrumento antiinflacionário.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.